Gêneros musicais, privacidade e bloqueio do
Telegram
Mal começou 2022 e parece que vivemos um ano todo
em janeiro. No front musical —que é sempre
termômetro de mudanças que depois se espalham por toda a sociedade—, tem muita
coisa para prestar atenção.
Em artigo na semana passada, Kieran Press-Reynolds
levantou a discussão sobre como os gêneros musicais estão se multiplicando e se
tornando microgêneros.
Em vez de termos como "rock", "pop",
"soul", há estilos que se denominam hoje como "hyperplugg",
"robloxcore", "sigilkore", "murder metal 2k13" e assim
por diante. Descrevem cenas originadas diretamente na internet, todas com
pretensão de criar estéticas próprias.
Já mencionei aqui o site Everynoise.com, que
funciona como um mapa de todos os gêneros existentes. Reynolds nota que esses
microgêneros nem sequer entraram no Everynoise, continuam abaixo do radar.
O que importa como reflexão é como esses
micronichos podem rapidamente se tornar fenômenos de massa e inclusive arma
política.
Basta lembrar como a cena chamada vaporwave foi apropriada por correntes extremistas. Vivemos em um mundo em
que a mudança pode estar aqui do lado, minúscula, invisível e, de repente,
gerar perturbações em todo o tecido social.
Além disso, essa fragmentação representa na verdade
o fim da ideia de gênero. Vivemos um mundo "pós-classificações", em
que tudo é fluxo (algumas das repercussões dessas mudanças estão descritas em
texto na Ilustríssima sobre a Grande Ruptura).
Outro tema da semana foi a tentativa de usar a Lei
Geral de Proteção de Dados (LGPD), que resguarda a privacidade de dados no
Brasil, como escudo contra a vacinas e os certificados de vacina.
O argumento
—simplório— é que mostrar o certificado de vacina implicaria violação ao direito
à privacidade. Infelizmente esse uso deturpado da LGPD tem se tornado cada vez
mais comum.
Há quem queira usar a lei também para impedir
acesso a dados governamentais públicos.
Não faz
sentido. A LGPD deve ser aplicada em harmonia com princípios como o direito à
saúde e à transparência pública.
Outro tema polêmico diz respeito ao aplicativo de
mensagens Telegram. O app tem 50 milhões de usuários no Brasil e tem sido
criticado por não atuar contra a chamada Desinformação Adversarial, Táticas e
Técnicas de Influência (Datti).
Em outras palavras, foi para o Telegram que correu
boa parte das campanhas massivas e ocultas de desinformação que hoje têm
dificuldade de serem propagadas em outras redes.
Uma das razões é que o
Telegram não tem sede ou representação no Brasil e vem ignorando completamente as tentativas de contato do
Tribunal Superior Eleitoral.
O que fazer? Primeiro, aplicar o "follow the
money" e ir atrás de quem financia campanhas ocultas de desinformação.
Subsidiariamente, lembrar que o Marco Civil estabelece que a lei do Brasil se
aplica para empresas que desempenham atividades no território nacional, mesmo
que não tenham sede no país.
Com isso, abre-se a possibilidade de medidas mais
drásticas, como bloquear o acesso ao Telegram no país.
Se isso acontecer,
deverá respeitar o princípio da necessidade e proporcionalidade.
A decisão
deverá ser solicitada legitimamente e ser implementada apenas por tribunal
superior, informado por contribuições multissetoriais que deveriam se iniciar
desde logo.
Tempos difíceis.
RONALDO LEMOS
- advogado, diretor do Instituto de Tecnologia e
Sociedade do Rio de Janeiro.