A
Copa do Mundo no Brasil nos ensinou que o futebol é cultura, que não é algo que
pertence somente ao Ministério do Esporte.
Durante
muito tempo pensou-se que o futebol era um produto da natureza. Como na
natureza surge espontaneamente uma flor, no futebol também surgiria o craque, a
flor da espécie. Desse modo, acreditou-se que o craque florescia na várzea, na
periferia, na floresta. Tínhamos uma reserva natural de craques. E exportamos
muitos deles.
Acontece que o futebol globalizou-se e os times ficaram mais
competitivos. Um craque messiânico não é capaz de salvar uma seleção. É
necessário um time onde todos sejam capazes de fazer o que o craque faz. Por
isso, o técnico da seleção alemã, Joachim Löw, disse ao jovem atacante Mario
Götze, que entrou no segundo tempo da final da Copa, contra a Argentina:
"Vá lá e mostre que você é melhor que Messi".
O Mundial nos ensinou que futebol é cultura, que não é algo que
pertence apenas ao Ministério do Esporte. Basta ver a quantidade de análises
feitas por sociólogos, pedagogos, escritores, filósofos etc.
A relações públicas americana Laura Schoen, que dirige uma
multinacional da área da saúde, escreveu um texto aproximando as estratégias do
esporte e a dos publicitários em reuniões decisivas.
Ao lado da consabida noção de "cultura do futebol"
temos que pensar que "futebol é cultura". Jornais repetiram à
exaustão que os alemães se prepararam durante dez anos num projeto que englobou
todo o país. Soube que os atletas trouxeram namoradas, mulheres e filhos para a
celebração e que doaram uma ambulância e dinheiro para os índios pataxós na
Bahia, mas eu gostaria de ter lido também uma reportagem que falasse do nível
de escolaridade desses jogadores.
Os alemães, na verdade, aliaram cultura e natureza e mudaram a
imagem que tínhamos de seu país. Aprenderam com os índios pataxós uma certa
dança e dançaram como indígenas vitoriosos no Maracanã. Por isso, é necessário
ponderar sobre um novo conceito de natureza e cultura para entendermos o que
ocorre com o futebol.
Natureza e cultura não são opostos, são complementares. No
século 20, a modernidade tinha horror à natureza. Faziam o louvor da máquina e
da velocidade. Vanguardistas e modernistas estavam equivocados. Temos que domar
a máquina e dialogar com a natureza.
Os anos 1960 desentranharam do equívoco a palavra
"poluição". Descobriu-se que a natureza não era inimiga, que tinha
que ser aliada.
O que caracteriza a passagem do século 20 para o 21 é a aliança
entre natureza e cultura, modo de evitar a catástrofe, seja placar de 7 a 1 da
Alemanha sobre o Brasil, seja o derretimento das calotas polares.
Diga-se, finalmente, que os times que tiveram mais sucesso foram
aqueles em que havia "follow up", ou seja, sequência nas jogadas,
passes certos e gols. Não basta driblar, há que passar a bola sem erro. O
Brasil tem que aprender a passar a bola e chutar em gol produtivamente.
Diminuir o custo Brasil, desbastar a burocracia.
Não foi somente o time de Felipão que acreditava num herói e
dava passes equivocados. O brasileiro tem que descobrir que o futebol, além de
ser uma metáfora reduzida do país, é cultura. E essa cultura tem que se
modernizar.
Affonso Romano de Sant’Anna - poeta e escritor,
autor de "Sísifo Desce a Montanha" (Rocco)
Fonte:
jornal FSP