Será que suas inovações levam em conta as necessidades dos clientes?


Será que suas inovações levam em conta as necessidades dos clientes?

Como você reinventaria um posto de gasolina do futuro? Mesmo com o aumento dos veículos elétricos, os carros a gasolina provavelmente permanecerão como a forma de transporte dominante pelos próximos anos, ou mesmo, décadas. 

Eu fiz essa pergunta a centenas de executivos seniores. Normalmente sugerem coisas como incluir uma lanchonete, adicionar um ponto de entrega da Amazon ou instalar robôs para abastecer os carros. 

A justificativa para essas mudanças é fornecer valor agregado aos clientes. Mas essas ideias são realmente centradas no cliente? Elas lidam com a tarefa que o cliente está lá para executar – reabastecer o carro de maneira conveniente? Não.

A maioria das pessoas considera as idas ao posto de gasolina um inconveniente inevitável. 

Se as pessoas precisam reabastecer o carro, mas odeiam abastecer, como podemos resolver esse problema? 

Não é colocando uma Starbucks nos postos de gasolina. E se, em vez disso, levássemos o combustível até eles? 

Isso pode parecer algo absurdo, mas na verdade diversos serviços de abastecimento sob demanda lançados nos últimos anos, entre os quais Filld e Booster, fazem exatamente isso. 

Os clientes pedem gasolina por meio de um aplicativo quando precisam e a empresa realiza a entrega do combustível. 

Não é muito exagero imaginar que os carros, em breve, poderão pedir combustível por conta própria quando identificarem que o tanque está ficando vazio.

Toda empresa crê que trabalha com foco no cliente. Porém, a maior parte delas se concentra antes em produtos ou serviços, preocupadas em como melhorar suas ofertas (por exemplo, incluir serviços extras em postos de gasolina) em vez de se colocar no lugar de seus clientes (e perceber que as pessoas querem evitar completamente ter de ir ao posto de gasolina). 

Neste artigo, descrevo três maneiras pelas quais as empresas podem ter ideias verdadeiramente inovadoras colocando o cliente em primeiro lugar.

Entenda os problemas dos clientes

Os clientes costumam ter dificuldade em lidar com o problema que estão tentando resolver. 

Por isso, é fundamental se aprofundar para entender a raiz dessas dificuldades. 

Esse tipo de estudo levou Deepak Garg a construir o que hoje é uma empresa de um bilhão de dólares, a Rivigo, que está revolucionando o setor de transporte rodoviário na Índia.

Tendo passado pela McKinsey e na busca para criar uma empresa, Deepak notou que o crescimento do comércio eletrônico havia aumentado drasticamente a demanda por caminhões, mas na Índia o setor sofria com a escassez de motoristas. 

Como isso poderia acontecer em um país com mais de um bilhão de habitantes e com alta taxa de desemprego – apesar dos bons salários pagos aos caminhoneiros?

Para desvendar esse enigma, Deepak visitou os vilarejos onde muitos motoristas de caminhão eram recrutados. 

Em vez de adotar uma abordagem típica de consultorias, valendo-se de pesquisas com grandes amostras e análises quantitativas, Deepak empreendeu um estudo etnográfico para entender as raízes sociais do problema. 

Nas conversas individuais, ele descobriu que, como os motoristas estão quase sempre na estrada, é comum desenvolverem hábitos perniciosos, como álcool, drogas e prostitutas. 

Em parte, como consequência desses fatores, eles são considerados a 37ª casta da Índia – em nível ainda inferior ao dos intocáveis. 

Nenhum homem da aldeia queria que um filho se tornasse motorista de caminhão ou que uma filha se casasse com um – sim, quase todos os motoristas de caminhão na Índia são homens.

As discussões de Deepak deixaram claro que a origem da escassez de caminhoneiros reside no fato de eles ficarem na estrada por longos períodos, longe de casa, o que incentiva maus hábitos. 

Nesse caso, qual seria a solução? Garantir que os motoristas voltem para casa todas as noites? 

Isso poderia funcionar – mas como isso seria possível se a viagem de caminhão de Deli a Mumbai leva de três a quatro dias?

Ele observou que um sistema de revezamento poderia resolver o problema. Efetivamente, ele construiu paradas para caminhões a intervalos de quatro horas ao longo de uma determinada rota. 

Um motorista poderia ir do ponto A ao ponto B, deixar lá seu caminhão e pegar outro veículo para dirigir de B de volta para A. 

Outro motorista, por sua vez, conduziria o caminhão do ponto B até o ponto C, e assim por diante. 

Além de permitir que os motoristas voltassem para casa todas as noites, o sistema criou um valor imenso para as empresas de logística. 

Um caminhão que antes era utilizado por apenas 10 a 12 horas por dia, permitindo que motoristas dormissem e se alimentassem, passou a operar por mais de 20 horas, reduzindo o tempo total de entrega quase pela metade.

Sem dúvida, há muita tecnologia nos bastidores para garantir que os caminhões e motoristas estejam disponíveis nos momentos apropriados e nas paradas certas. Mas a ideia central da Rivigo começou na compreensão da raiz do problema.

Identifique os pontos problemáticos

Os varejistas tradicionais trabalham sob enorme pressão da Amazon e de outros players do comércio eletrônico.

 Muitos creem que parte da desvantagem é não poderem rastrear seus clientes na loja e, portanto, estão investindo em tecnologias que os ajudarão a suprir essa lacuna. 

No entanto, a maioria não tem uma ideia clara de como exatamente usar a enorme quantidade de dados acumulados para competir com empresas como a gigante do comércio eletrônico.

Em vez de utilizar tecnologias sofisticadas para preencher um vazio genérico (rastreamento de clientes), essas empresas podem obter melhores resultados identificando e resolvendo problemas específicos dos clientes. 

Muitos desses obstáculos são quase óbvios demais. Quantas vezes você foi a uma loja de departamentos e saiu de mãos vazias porque não conseguiu encontrar o que estava procurando? 

Por que não colocar iPads (devidamente higienizados) em locais específicos da loja para ajudar os clientes a encontrar o que procuram? 

E quantas vezes você teve que esperar em filas lentas apenas para pagar por sua compra? 

É irônico que os varejistas façam você esperar para pegar seu dinheiro! Instalar pontos de autopagamento poderia facilmente reduzir essa fonte de atrito. 

A Amazon está utilizando visão computacional em suas Go Stores, sem atendente de caixa, para resolver precisamente esse problema.

A Hointer (agora parte da Wesfarmers), fundada por um ex-executivo da Amazon, experimentou um novo conceito de loja para resolver esses dois problemas do consumidor.

 A loja vendia calças masculinas sofisticadas penduradas em barras para facilitar sua observação. 

Em vez de exibir todos os tamanhos, apenas uma de cada modelo ficava nos mostruários. 

Os consumidores baixavam o aplicativo da Hointer, liam o código de barras do item desejado e selecionavam o tamanho. 

Um robô, então, entregava o item por meio de uma canaleta no provador próximo, onde o consumidor poderia experimentá-lo, depositá-lo em outra canaleta se não gostasse ou pagar ainda no provador, equipado com um leitor de cartão de crédito.

Olhe além do seu produto

Mapear as jornadas dos clientes se tornou uma norma no setor. No entanto, quase todas as empresas começam e terminam sua avaliação da jornada com seu produto – digamos, um carro ou o financiamento de um imóvel. 

Isso pode gerar uma incompreensão da motivação principal do cliente, que pode ser muito útil para entender o que os incentiva e as oportunidades potenciais para agregar valor.

Imagine um banco desenvolvendo um aplicativo de financiamento imobiliário. 

Ele pode identificar etapas no processo de requisição para facilitar a pesquisa e solicitação de financiamento, criar algoritmos para responder rapidamente às solicitações e permitir o bate-papo ao vivo com um representante para ajudar a sanar suas dúvidas. 

Esse é um processo típico focado no produto. Porém, ignora o motivo pelo qual o cliente está em busca de financiamento.

Piyush Gupta, CEO do banco DBS, com sede em Cingapura, incentivou sua equipe a pensar além dos produtos do banco. 

Eles perceberam que ninguém se levanta pela manhã entusiasmado para fazer o financiamento de um imóvel. A verdadeira emoção está em comprar a casa. 

Essa parte da jornada começa muito antes de os consumidores pensarem em entrar com um pedido de financiamento. 

Por isso, a equipe sondou o que poderia ajudar os consumidores a encontrarem a casa dos sonhos em primeiro lugar. 

O resultado foi o aplicativo para celular Home Connect da DBS, que integra informações disponíveis publicamente para ajudá-los na pesquisa. 

Os consumidores baixam o aplicativo e, quando visitam um bairro para ver casas, podem simplesmente segurar o telefone, para pesquisar os preços de compra e venda mais recentes praticados na região. 

Se a decisão depender de escolas ou da distância do transporte público ou centro comercial, o aplicativo pode fornecer essas informações. 

Quando os consumidores encontram a casa dos sonhos, o aplicativo calcula o financiamento para ajudar a definir se aquele imóvel cabe no seu orçamento. Esse processo permitiu à DBS gerar leads e ganhar participação de mercado.

Executivos de todas as empresas buscam o engajamento dos consumidores; mas será que eles pararam para pensar por que alguém deveria adquirir um sabonete ou uma lata de refrigerante? 

Todas as empresas do mundo afirmam terem foco no cliente, mas será que elas estão mesmo pensando do ponto de vista do consumidor? 

Para realmente atingirem o foco que afirmam ter, os executivos precisam olhar além de seus produtos e serviços e se concentrarem no problema que o cliente está querendo resolver.


Sunil Gupta - professor da cátedra Edward W. Carter de Administração de Empresas da Harvard Business School.

 


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