São
jovens entre 20 e 21 anos, de diferentes perfis étnicos e socioeconômicos, que
se destacaram pelas notas acima da média no Enem, já estão empregados ou
entraram em uma faculdade, mas ainda assim se sentem sentem mal orientados e
pouco preparados para lidar com seus desafios diários. Para os professores
universitários e empregadores, as lacunas de formação vão além de os jovens não
saberem escrever um e-mail de trabalho, expor argumentos oralmente na faculdade
ou interpretar gráficos simples de produção. “Nas entrevistas, apareceu de
forma espontânea e com certa força a preocupação com as habilidades socioemocionais,
especialmente atitude, proatividade, comprometimento, curiosidade,
persistência”, explica Haroldo.
De
acordo com a pesquisa, as lacunas percebidas tanto pelos jovens quanto por seus
empregadores e professores são de natureza cognitiva, socioemocional e
comportamental. No campo das deficiências cognitivas, destacam-se as
relacionadas à língua portuguesa. No geral, os jovens têm muita dificuldade em
compreender instruções orais e escritas, expressar-se com sentido, correção e
adequação contextual tanto na fala ou quanto em mensagens escritas simples e
interpretar ou expor argumentos em situações de comunicação mais complexas.
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A matemática também é uma área
preocupante, com queixas de todos os grupos em relação à dificuldades para
realizar as quatro operações básicas, calcular percentagens, interpretar
gráficos e tabelas e elaborar planilhas, além da falta de raciocínio lógico e
de educação financeira para administrar o próprio salário. Já no campo das
habilidades socioemocionais, destaca-se o “grande receio dos jovens em mostrar
que não sabem algo e de fazer perguntas para sanar suas dúvidas. Junto dessas
críticas – e, em alguns casos, derivadas delas – surgem outras, como falta de
curiosidade, autonomia, comprometimento, foco, resiliência, disposição para
correr riscos e se posicionar”, frisa um trecho da pesquisa.
Lições
e caminhos
Além do diagnóstico dos
problemas que têm impedido os jovens de concretizar seus anseios pessoais e
profissionais, a pesquisa também apresenta alguns pontos importantes para o
debate de um novo modelo educacional. Os jovens entrevistados insistem na
necessidade de métodos de ensino mais atuais e citam como boa referência em
metodologia o professor de cursinho, por dar exemplos práticos da
aplicabilidade dos conteúdos e desenvolver aulas mais dinâmicas, divertidas e
focadas. Para eles, músicas, vídeos, leituras de histórias e conversação devem
ser usados como instrumentos de estímulo para o aprendizado, por exemplo, de
idiomas, e atividades extracurriculares, como educação física e artística,
devem ser exploradas como possibilidade de desenvolver a criatividade,
autoconfiança, disciplina, liderança e capacidade de trabalhar em equipe.
“São os próprios jovens que estão afirmando que não conseguem
aplicar seus aprendizados quando confrontados com diversas situações do
cotidiano”
Além disso, eles gostariam de
ter recebido ajuda no encaminhamento profissional, por meio de visitas a
faculdades, contato com alunos universitários e conversas com psicólogos.
Também acreditam ser importante ter noções sobre o mundo corporativo antes de
ingressar no mercado de trabalho, com aulas sobre como estruturar projetos, montar
slides, trabalhar em equipe e se portar numa entrevista de emprego, por
exemplo.
Para os professores
universitários, empregadores e representantes de ONGs que participaram da
pesquisa, a tecnologia é uma janela de oportunidade não só para o engajamento nos
estudos, mas para o aprimoramento dos conhecimentos. Eles elogiam as
habilidades dos jovens no uso de recursos tecnológicos e a capacidade de se
adaptar rapidamente a novas plataformas, mas destacam que ainda falta o domínio
de algumas ferramentas específicas, como o Excel, bastante valorizado no
mercado de trabalho, e o uso intensivo do celular e da internet para assuntos
pessoais durante as aulas e o expediente de trabalho.
A
pesquisa, que pretendeu fazer um mapeamento do legado do ensino básico para os
jovens brasileiros, traz também algumas lições úteis à elaboração de uma Base Nacional Comum. “Os resultados da pesquisa contribuem para o debate
sobre o que, afinal, a sociedade espera que os alunos aprendam na escola, para
que consigam ter uma vida plena e produtiva após a conclusão da educação
básica”, afirma Denis Mizne, diretor Executivo da Fundação Lemann.
Entenda: Série de reportagens debate caminhos para a Base Nacional Comum
Para isso, a pesquisa contou
com a contribuição e análise das especialistas em currículo Delaine Cafiero
Bicalho, doutora em Linguística e professora da Faculdade de Letras da UFMG, e
Maria Ignez Diniz, doutora em Matemática e professora do Instituto de
Matemática e Estatística, da USP. De acordo com as especialistas, os resultados
mostram que o currículo atual é conteudista e não desperta interesse nos
jovens. Especialmente as entrevistas dos jovens reforçam que os currículos que
predominam nas escolas atualmente são extensos, pouco aprofundados e não
favorecem a integração entre as diferentes áreas do conhecimento. Além disso,
disciplinas diferentes requerem diferentes formas de raciocínio e reflexão.
Para elas, a Base Nacional
Comum deve detalhar não apenas os conhecimentos a serem trabalhados nas
escolas, mas também quais habilidades os alunos devem desenvolver com os
conceitos e conteúdos ensinados. Além disso, ela deve garantir uma integração
mais clara entre as diferentes áreas, para que os conhecimentos e as
habilidades sejam trabalhados de forma mais integrada e menos segmentada. “Na
Base Nacional Comum, é desejável que a organização dos conteúdos seja
hierarquizada, mas as habilidades que esses conteúdos mobilizam precisam ser
construídas em rede. A Base precisa apresentar com clareza a relação das
habilidades com os conceitos e conteúdos a serem ensinados”, destaca um trecho
da pesquisa.
“A língua portuguesa deve ser ensinada como um recurso que se
adapta a diferentes usos, não como algo fixo e descolado da realidade”
Especialmente em relação às
duas áreas mais preocupantes quanto às lacunas cognitivas de aprendizado –
língua portuguesa e matemática -, as especialistas destacaram pontos que devem
ser considerados para a elaboração da Base Nacional Comum. De acordo com
Delaine, o foco do ensino da língua portuguesa precisa estar no ensino de
estratégias para resolver problemas comunicativos. “A língua portuguesa deve
ser ensinada como um recurso que se adapta a diferentes usos, não como algo
fixo e descolado da realidade. Um caminho para se ensinar os diversos usos da
língua ao longo dos anos de ensino básico é organizar um currículo baseado no
uso de textos variados, tanto os que circulam no cotidiano quanto os da
literatura.” Sobre o hábito da leitura, a especialista aponta que o fenômeno
dos best-sellers juvenis demonstra que uma boa parte dos jovens já é leitora.
“É preciso apenas motivar seu interesse por outros estilos textuais. Para além
de desenvolver a habilidade de leitura, uma base comum deve se preocupar em
formar leitores de literatura – inclusive a clássica.”
Em relação à matemática, Maria
Ignez destaca que tanto os jovens quanto seus professores e empregadores veem a
matemática como um conhecimento para se aplicar em situações-problema. “Os
jovens entendem como situações-problema tarefas simples exigidas no trabalho ou
na faculdade, como aplicar descontos e ler planilhas. Em sua visão, elas
deveriam ter sido ensinadas na escola e não foram e, portanto, falta-lhes
repertório. Já o professores e empregadores entendem por situações-problemas
tarefas novas e relativamente complexas propostas aos jovens, como controlar o
próprio salário, argumentar a partir de dados quantitativos, usar raciocínio
lógico e abstrato para esquematizar um problema e propor soluções. Para
resolvê-las, os jovens deveriam ser capazes de selecionar e mobilizar
conhecimentos ensinados na escola, ou seja, na perspectiva dos professores e
empregadores, falta aos jovens mais do que um banco de conhecimentos.
Falta-lhes uma grande competência que lhes permita articular teoria e prática
por conta própria.”
Para a especialista, essa
grande competência não se desenvolve naturalmente e precisa ser ensinada pela
escola, por meio de uma série de etapas: identificar o problema; mobilizar as
informações necessárias para entendê-lo e resolvê-lo; estabelecer uma
estratégia de ação para solucioná-lo; aplicar essa estratégia; monitorá-la e
tirar uma lição de todo esse processo (a consciência do aprendizado). “Se cada
uma dessas etapas não é ensinada, o aluno pode fracassar por que não sabe que
tipo de conhecimento precisa mobilizar em determinada situação. A resolução de
problemas deve ser uma competência prevista na Base Nacional Comum como
objetivo de todas as séries e com níveis de complexidade adequados a cada etapa
da escolaridade. E precisa ser ensinada de forma intencional, não
subentendida”.
Fonte: site porvir.org.