No Brasil do Refis, quem quita impostos em dia é
péssimo empresário
Renegociação
recorrente de dívidas tributárias perpetua padrão de que quem deve sempre é
perdoado.
Aprovado na Câmara ao fim de 2021, porém vetado pelo presidente no início de 2022, o
refinanciamento das dívidas dos pequenos empresários —batizado de Relp
(Programa de Reescalonamento do Pagamento de Débitos no Âmbito do Simples
Nacional), mas conhecido como o novo Refis do Simples— deve ganhar protagonismo
assim que o recesso parlamentar terminar.
Pela justificativa oficial, o veto é decorrente de
o benefício fiscal implicar renúncia de receita, o que fere as regras fiscais.
O programa, entretanto, tem apoio unânime dos congressistas, e a
própria Presidência já trabalha com publicação de um decreto, uma espécie de
solução provisória que prorroga o prazo de regularização das dívidas, enquanto
o veto não for derrubado pelo Congresso.
Por ele, as pequenas empresas do Simples, os microempreendedores
individuais e empresas em recuperação judicial poderão renegociar suas dívidas
tributárias, com descontos sobre juros, multas e encargos proporcionais à queda
de faturamento durante a pandemia.
Pode-se debater se a Covid-19 é condição extraordinária
para justificar a leniência do fisco, mas esse é apenas mais um entre inúmeros
outros programas ditos "excepcionais" de parcelamento de débitos
tributários.
Ao longo das últimas duas décadas, foram criados
cerca de 40 programas semelhantes com expressivas reduções nas multas e
encargos e prazos de pagamento extremamente longos.
Entre eles, o Parcelamento Especial (2003), o
Parcelamento Excepcional (2006), o Programa Refis da Crise (2008), a Primeira,
Segunda, Terceira e Quarta Reabertura do Refis da Crise (2013-2014), o Programa
de Regularização Tributária (2017), o Programa Especial de Regularização
Tributária (2017), o Parcelamento Especial para Débitos do Simples Nacional
(2018) e o Programa de Regularização Tributária Rural (2018).
Sem contar as renegociações setoriais, como com as
instituições de ensino superior e as entidades desportivas e beneficentes, e as
renegociações com os entes federados, como o Parcelamento Especial para Débitos
Previdenciários de Estados e Municípios (2018).
A enorme lista mostra que existe um padrão
recorrente na forma como os débitos tributários com a União são tratados pela
classe política, que insiste na renegociação como a melhor forma de reaver uma dívida.
Argumenta-se que o custo da renegociação não é elevado e que ela aumenta a
arrecadação de dívidas que jamais seriam pagas. O argumento é falso.
Cerca de metade dos optantes pelos parcelamentos
especiais torna-se inadimplente, de acordo com estudo da Receita Federal de
2017.
Outra parte acaba por incluir a dívida parcelada em outro programa
superveniente, o que faz com que muitos contribuintes incorporem a cultura de
não pagamento na expectativa de um novo programa de parcelamento com condições
especiais.
Poucos são capazes de liquidar o montante devido.
No caso específico dos contribuintes do Simples
Nacional —que já contam com um regime de tributação diferenciado de R$ 82
bilhões de isenção em impostos—, o mesmo relatório indica que apenas 0,52% dos
parcelamentos foram liquidados, enquanto 49% foram encerrados por
inadimplência.
A renegociação recorrente das dívidas tributárias
perpetua um padrão: quem deve sempre é perdoado, e, por isso, eventuais
punições à inadimplência não são levadas a sério.
Não surpreende que ano após
ano todo a classe empresarial peça e aguarde por um novo Refis.
O culpado sempre é a crise econômica. Mas, na
verdade, o não pagamento é resposta ótima do empresariado, que leva em
consideração que as renegociações são, em geral, muito mais favoráveis do que o
pagamento em dia.
Falta um entendimento básico à classe política de
que planos de renegociação de dívidas geram incentivos ao não pagamento, e, por
conseguinte, a uma interminável pressão por novas renegociações.
A constante
edição de programas dessa natureza estimula a cultura da inadimplência, lesa os
cofres públicos e direciona recursos para políticas pouco eficazes.
No Brasil, quem honra os seus compromissos e quita
seus impostos em dia é um péssimo empresário, pois atua contra o interesse do
próprio negócio ao ignorar os futuros programas de parcelamento especial. Bom
mesmo é ser mau pagador.
CECÍLIA MACHADO - Economista-chefe
do Banco BOCOM BBM e professora da EPGE (Escola Brasileira de Economia e
Finanças) da FGV