Afinal,
nossos jovens são inocentes e indefesos ou protagonistas de orgias?
Jovens se divertem em um baile funk na zona sul de São
Paulo
Um curioso movimento pendular aparece quando se trata de
pensar a sexualidade adolescente. Ora os jovens são tidos como indefesos e
correndo riscos diante da educação sexual, ora são protagonistas de orgias sem
precedentes. Daquele que não sabe nada sobre sexo para aquele que está
promovendo bacanais, resta perguntar de quem falamos afinal.
As pesquisas mostram que a maioria dos jovens
brasileiros começa sua vida sexual entre 13 e 17 anos, mal informada,
desprevenida para doenças e para gravidezes. Essa é a informação palpável e bem
documentada com a qual devemos nos preocupar para começo de conversa. Ela nos
indica que temos que abordar o assunto na infância, informando e cuidando para
que eles não tenham experiências emocionais traumáticas, doenças venéreas ou
bebês indesejados. Historicamente, os pais têm se atrapalhado bastante na hora
de falar sobre sexualidade com os filhos, seja porque têm dificuldade de
reconhecer a mudança de fase das crianças, seja porque têm questões com a
própria sexualidade, seja porque temem despertar o que acreditam que não
estaria lá por si só.
A última ideia é curiosa, pois há muito Freud revelou
que a sexualidade está presente desde a primeira mamada, pois somos seres
sensuais por excelência. Peço desculpas à ministra Damares se Freud soa ousado demais
para ela, faz só 113 anos que ele nos tirou do obscurantismo puritano. Não
tirou a todos, claro.
Coetzee, em "Desonra" (2000), dirá que o
sujeito, mesmo nas piores condições de sobrevivência, não pode ser condenado
por "se agarrar (...) ao seu lugar no doce banquete dos sentidos".
Comer, respirar, movimentar-se, falar, ouvir, sentir o sol na pele, rezar são
experiências de prazer corporal que nos alimentam tanto ou mais do que os
nutrientes que ingerimos. Temos fome de que, se não da própria experiência de
reconhecer-nos vivos em cada um de nossos atos? A sexualidade está em toda
experiência humana, não há nada de obsceno nisso, apenas somos seres desejosos
e desejantes que têm no corpo uma fonte inesgotável de prazer.
O ato sexual em si, devido a sua intensidade e as suas
consequências, requer que ofereçamos informações e recursos para que os jovens
tomem decisões menos afoitas e menos desprotegidas. Ajudá-los a lidar com a
autoestima, com a autoimagem, a emancipar-se da pressão do grupo e, também, a
acessar métodos contraceptivos e contra DST é o único caminho para
protegê-los.
A viseira de burro, que serve para acreditar que o que
está fora da vista não existe, prova sua ineficiência diuturnamente das formas
mais catastróficas.
Quanto às orgias adolescentes que estariam migrando dos
bailes funk para as casas de classe média alta, como bem apontou Mariliz Pereira Jorge, cabem algumas
considerações. Elas revelam a busca por alguma forma de prazer que escape à
caretice dos mais velhos, que tentam domesticar a sexualidade do jovem trazendo
o antigo motel para o quarto dos filhos. Como transgredir se hoje o sexo está
sob controle e bênção dentro da casa dos pais? Longe de fazer uma crítica
moralista, trata-se de apontar para a emancipação que a vida sexual deveria
antever.
Moral
da história: jovens transam desde muito cedo, sem informação e sem proteção,
pais permitam ou não. Ignorar ou exaltar a sexualidade adolescente nos impede
de escutar os jovens e oferecer-lhes educação apropriada —é preciso encará-la
sem hesitação.
Vera
Iaconelli - diretora do Instituto Gerar,
autora de “O Mal-estar na Maternidade”. É doutora em psicologia pela USP.
Fonte:
coluna jornal FSP