Como o cérebro encontra um ritmo que não existe


Córtex constrói um ritmo que é seguido pela musculatura

Ouvir uma batucada de samba sem começar a marcar o compasso com o pé ou tamborilar com os dedos é quase impossível. Para os menos musicalmente inclinados, o surdo ajuda a encontrar o ritmo, marcando tempo (a batida mais forte) e contratempo (a outra, entre dois tempos).

Mas o ritmo do surdo não é necessário para fazer o cérebro entrar na dança. Embora o samba seja por definição um padrão sincopado, onde as notas costumam não soar junto com o tempo (nem com o contratempo), em geral poucos segundos são necessários para que o ouvinte comece a fazer as vezes do surdo com o bater do pé contra a superfície mais próxima.

Esse fenômeno, que atrai ouvintes e contagia passantes, atraiu a atenção da neurociência e ganhou nome. A capacidade de encontrar o ritmo da música mesmo quando não existe qualquer batida ou nota tocada regularmente no tempo e contratempo se chama indução. À indução se segue a batucada –o que sugere um processo em dois tempos no cérebro: primeiro, um auditivo, de reconstrução de uma batida que não existe fisicamente na música, e, depois, um motor, onde a batida no cérebro arregimenta a musculatura do corpo.

Um grupo de pesquisadores em centros de pesquisa baseados em Israel, EUA e Alemanha acaba de mostrar que, de fato, o córtex auditivo humano é capaz de encontrar a "batida" fundamental em ritmos sincopados (como o samba).

Usando magnetoencefalografia para acompanhar variações nas ondas elétricas produzidas pelo cérebro de voluntários que escutavam os ritmos, o grupo constatou que, quando há uma frequência predominante no som, com notas e pausas sincopadas com intervalos sempre de 0,25 segundos (ou seja, uma frequência de 4 por segundo, ou 4 Hz), a atividade elétrica do córtex auditivo prontamente acompanha as 4 batidas por segundo.

O ritmo fundamental, com duas batidas por segundo, contudo, não existe na música tocada. Mas está lá, de fato, no córtex auditivo, firme e forte: o córtex constrói esse ritmo, provavelmente como fruto de interações entre a periodicidade da música e a da própria atividade dos neurônios, e passa a segui-lo.

Uma vez que o ritmo passa a existir no córtex auditivo –a ponto de ser detectado pela encefalografia–, ele é comunicado às regiões motoras do cérebro, e pronto: daí à batucada é só uma questão de incluir os músculos. Quanto mais cedo o cérebro cria sua batucada interna, mais rápido os dedos entram na dança. Um bom samba é, portanto, contagiante mesmo

Suzana Herculano-Houzel - neurocientista, professora da UFRJ, autora do livro "Pílulas de Neurociência para uma Vida Melhor" (ed. Sextante)

Fonte: www.suzanaherculanohouzel.com

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