Evolução não é progresso, e progresso não é
melhora.
A
humanidade moderna deixa isso bem claro.
Esta é uma semana feliz para quem estuda evolução e
aprecia o poder dos estudos comparados, que analisam várias formas de vida lado
a lado para entender o que é regra fundamental, o que é variação possível, o
que funciona ou não funciona: o geneticista sueco Svante Pääbo, diretor do
departamento de genética do Instituto Max-Planck para Antropologia Evolutiva em
Leipzig, Alemanha, teve reconhecido com o Prêmio Nobel seu trabalho comparando genomas de humanos modernos e neandertais.
Pääbo teimou em sequenciar o DNA de ossos
fossilizados de várias formas humanas, e o resto da história é consequência da
sua determinação.
Minha descoberta favorita dentre suas várias contribuições
para nossa compreensão das origens humanas é a demonstração de combinação
genética entre humanos modernos e neandertais, evidência de que, por definição,
éramos apenas variações da mesma espécie.
Pääbo continua usando a terminologia
convencional que nos faz compartilhar apenas o mesmo gênero, Homo,
mas isso é detalhe; há batalhas desnecessárias quando há um objetivo maior.
Com
mais tecnologia acumulada na forma de cultura, a variedade sapiens da espécie
humana invadiu a Europa e dizimou a variedade neandertal residente; cerca de 60
mil anos mais tarde, a variedade europeia de sapiens invadiu as Américas e
dizimou as variedades indígenas residentes. Ambas invasões em massa deixaram
evidências no genoma das populações restantes.
Se uma era mais evoluída do que a outra?
Claro
que não. Neandertais e sapiens, europeus e povos indígenas americanos
coexistiram no planeta enquanto a geografia os manteve separados, cada um
vivendo perfeitamente bem em seu canto.
Por uma soma de contingências, o
progresso tecnológico de cada um seguiu caminhos diferentes; mas quando as
barreiras caem, quem tem mais tecnologia —mais recursos para resolver problemas
aqui e criar novos ali, e falar mais alto, e arrebanhar mais seguidores e ainda
mais recursos— por definição sai ganhando em caso de confronto, como continua
acontecendo o tempo todo no mundo moderno.
O que também não quer dizer que vence o melhor.
"Melhor" depende de referência: melhor para quem? A maioria que
colocou o vitorioso no pódio? Isso é lógica circular, tal como
"sobrevivência dos mais aptos", quando "apto" é por
definição quem sobreviveu. Melhor por qual critério? Concordância com os
valores da vez?
Ora, isso muda o tempo todo, e ainda bem.
Eu adoraria que vingassem os comportamentos inteligentes:
aqueles que mantêm portas abertas e possibilidades futuras.
Aqueles que mantêm
a Amazônia viva e cheia de diversidade que
a gente mal imagina. Aqueles que mantêm todos, e não apenas os ricos,
saudáveis, instruídos e capazes de fazer seu próprio futuro.
Aqueles que mantêm
indivíduos pensantes, usuários plenos das capacidades de seu córtex pré-frontal
de vislumbrar um futuro que se deseja e agir em prol dele, e não meros guardiões
do que um dia funcionou, não porque era melhor ou mais "progredido",
mas apenas porque era tudo o que se sabia então.
SUZANA HERCULANO-HOUZEL - Bióloga e neurocientista da Universidade Vanderbilt (EUA).