PARTE
1
O contexto
Conforme pensamento instigante de Abraham Maslow, “se
a única ferramenta que você tem é um martelo, você tender a ver todo problema
como um prego”.
Em 1880 o chanceler Alemão Otto von Bismarck criou o
primeiro sistema de aposentadoria público. Definiu uma idade a partir da qual as
pessoas parariam, abruptamente, de trabalhar. Estabeleceu uma renda, a ser paga
vitaliciamente pelo estado e vislumbrou na tributação dos trabalhadores ativos
e empresas a forma de financiar o sistema. A expectativa era de que depois de
aposentado, o sujeito viveria apenas alguns anos a mais recebendo o benefício.
Passados 140 anos, uma convergência de fatores tornou
tudo aquilo ultrapassado. Trabalho hoje é um conceito fluido, dissociado do
tempo. Não paramos mais de trabalhar abruptamente para ficar desocupados (veja
mais aqui: https://bit.ly/2tbJO7A). Nem vivemos pouco tempo, ao contrário,
vivemos muuuuuito tempo, o que torna impossível pagar a conta da renda
vitalícia. Lá se foi a grande sacada de Bismark. Fim do conceito de
aposentadoria!
O problema mudou, mas continuamos com a mesma solução
mundo afora. Vamos esticando a idade de aposentadoria, reduzindo o valor do
benefício, tentando retirar o reajuste pela inflação. Puxando daqui, esticando
dali. Os remendos vão dando uma sobrevida ao conceito criado pelo velho Bismark.
Desesperados em fazer funcionar um sistema que não sabemos pelo quê substituir,
vamos eternizando o antigo dogma Bismarkiano, em uma dissonância cognitiva coletiva, um permanente transe de negação e uma
visão detúnel que nos impede de enxergar além.
Emprego? Me diz você, existe algo mais instável hoje do
que um emprego? As grandes corporações, com milhares de empregados, caminham
para a extinção. As que sobrarem, se sobrarem, serão poucas e para poucos. As
organizações do futuro serão enxutas, abrigarão poucos funcionários e os
contratos de trabalho se afastarão totalmente do atual modelo assalariado. Os
fundos de pensão, que nos moldes atuais são uma vaquinha societária
para ajudar os empregados de grandes empresas a pouparem juntos
para o futuro, vão simplesmente perdendo o sentido de existir. Na Holanda
existiam 605 fundos de pensão patrocinados por empresas em 2007, em 2019 esse
número havia caído para 162.
A consolidação e redução da quantidade de fundos de
pensão é um fenômeno global. Os quase trezentos fundos de pensão brasileiros -
eram cerca de 365 no pico - já perceberam isso e vem tateando no escuro em
busca de uma solução. Alguns estão ensaiando a implantação de planos para
cônjuges e dependentes dos atuais participantes. Talvez sem ter se dado conta
de que os próprios participantes, empregados com vínculo empregatício
permanente em tempo integral, estão sumindo e com eles sairá de cena esse “novo”
publico alvo. Outros estão de olho nos planos de funcionários públicos de
estados e municípios, sem perceber que esse é um exemplo do “Efeito Orloff” na
sua essência mais pura: eu sou você amanhã, diriam os fundos do setor privado
para os do setor publico.
Esse longo artigo, que será publicado em sete artes, pretende
transmitir um TL;DR1 sobre o impacto que a longevidade, as novas
relações de trabalho e a convergência de diferentes tecnologias deverão causar no
sistema financeiro em geral e na indústria dos fundos de pensão em particular.
(1) TL;DR (ou tldr), expressão
usada pela garotada é uma abreviação do inglês "too long" e
"didn't read" que significa "longo demais" e "não
li". Se por um lado esse acrônimo critica os textos com tamanho excessivo
na Internet, por outro, também tem sido usado de forma espirituosa e sarcástica
para resumir uma história muito mais longa ou um assunto muito mais complicado.
Na segunda parte do artigo abordaremos o sétimo
continente e o tsunami grisalho. Fique ligado, acompanhe, questione,
comente.
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Eder C. da Costa e Silva é sócio-gerente e fundador da E.Carva
Investimentos & Participações e autor do livro “Revolucionando os Conselhos
dos Fundos de Pensão” (ed. PoloBooks, 2020) que será lançado em breve.
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