Habilidades do futuro são matemática, escrita, leitura


Habilidades do futuro são matemática, escrita, leitura

Pensamento crítico faz a diferença para profissionais, diz Salman Khan, um influente pensador da educação no mundo.

“Eu acredito muito em pessoas programando e aprendendo cálculo, mas se você tiver a habilidade de ter um pensamento crítico, um pensamento em nível algébrico, puder escrever, você vai ter uma compreensão de leitura sólida e já vai estar à frente de 95% das pessoas do planeta”, disse em entrevista ao Valor Salman Khan, 45 anos, influente pensador da educação no mundo. 

Ele é fundador da Khan Academy, organização sem fins lucrativos que proporciona ensino on-line em várias áreas do conhecimento para mais de 102 milhões de pessoas, entre alunos e professores, em 109 países. 

Americano, filho de pai bengalês e mãe indiana, Khan decidiu largar o emprego no mercado financeiro para se dedicar em tempo integral ao seu projeto, de

A ideia surgiu por acaso, quando sua prima de 12 anos pediu ajuda na matemática ao jovem executivo formado em engenharia elétrica, ciência da computação e matemática, com mestrado no MIT e MBA pela Universidade Harvard. 

As aulas começaram pelo telefone, mas logo migraram para vídeos no YouTube, porque primos e amigos de todos os cantos dos Estados Unidos também queriam aprender com ele. Em pouco tempo, já tinha milhares de usuários.

Os filhos de Bill Gates se engajaram em suas aulas curtas e funcionais e chamaram a atenção do pai, que se tornou um dos primeiros doadores do projeto. 

Hoje, a Khan Academy conta com um orçamento anual em doações de US$ 60 milhões e atrai doadores ilustres como Elon Musk, mas também pessoas comuns que contribuem com US$ 10 mensais. 

Outro doador foi Jorge Paulo Lemann, que por meio da sua fundação trouxe a Khan Academy para o Brasil em 2013. Aqui, o número de usuários já ultrapassa 4 milhões e o conteúdo educacional é utilizado em escolas por 36 secretarias de educação.

Kahn defende um novo modelo de escola, onde os alunos conversam sobre tudo em diálogos socráticos e passam mais tempo aprendendo sozinhos para depois trocarem experiências.

 Ele diz estar cansado do excesso de Zoom e que as competências do futuro são as tradicionais como a leitura, a escrita e a matemática. A seguir, os principais trechos da entrevista:

Valor: Como foi o começo da Khan Academy?

Salman Khan: Tudo começou comigo dando aulas particulares para meus primos e muitas das ferramentas surgiram para que eu pudesse tornar essas aulas mais produtivas. 

Em 2007, tivemos o primeiro professor usando a Khan Academy em um ambiente formal, em Washington. Depois, em 2010, quando nos tornamos uma organização real, começamos a trabalhar com vários distritos escolares nos EUA. 

Nos últimos quatro ou cinco anos, temos mais de 50 estudos sobre a eficácia dos programas e temos modelos onde sabemos o que pode funcionar para os alunos. 

Mas percebemos que mesmo que haja 200 ou 300 mil professores usando, ficou claro que a maneira de ter um impacto grande de verdade é trabalhando mais perto com sistemas escolares e ministérios da educação. 

Quando começamos, os gestores públicos nos disseram “ah isso é ótimo, mas precisamos de melhores dados, treinamento e integração”. 

Então temos trabalhado nos EUA e no Brasil em parcerias formais com sistemas escolares para garantir que possamos ser sistemicamente integrados ao que eles estão fazendo.

Valor: Como vocês chegaram ao Brasil?

Khan: Há cerca de 10 anos, quando recebemos a visita de Jorge Paulo Lemann e da fundação, éramos uma organização muito pequena. 

Hoje, Brasil e Índia são as duas regiões onde temos operações significativas fora dos EUA. Além disso, temos mais de 50 projetos em outras localizações em todo o mundo, que são mais autônomos.

Valor: Na pandemia, muitos alunos jovens desligaram as câmeras e pareciam estar entediados com as aulas on-line. Como criar uma experiência de ensino mais atraente?

Kahn: Não acho que a âncora dessa experiência [aprendizado remoto] seja apenas um estudante na frente do Zoom sete horas por dia. 

É bom ter um tempo síncrono para ver as pessoas, mas não pode demorar mais que uma hora, uma hora e meia por dia. O ideal é que os alunos sejam capazes de ter uma ótima conversa por dia. 

E quando o fizerem, que não seja uma palestra, mas uma conversa facilitada sobre um assunto interessante. Podemos discutir por que os cuidados de saúde custam tanto, se há vida alienígena, qual será a população mundial no ano 2300 ou se as empresas de mídia social devem ser responsabilizadas pela polarização. 

Um debate sobre tópicos interessantes é a experiência central. Para isso, talvez seja preciso uma preparação com pré-leitura de 30 a 60 minutos, que você pode fazer no seu próprio tempo. Depois, entra na Khan Academy e tem uma sequência de exercícios e vídeos para aprender em seu próprio ritmo.

Valor: Como você implementa essa experiência?

Kahn: Na escola virtual que estou ajudando a montar, a World Khan School, a ideia é que as crianças possam usar a Khan Academy para aprender o material e obter certificados e a plataforma Schoolhouse.world [organização sem fins lucrativos criada por Khan em 2014 com tutores on-line para aulas de reforço] para obter aulas particulares de graça se precisarem de ajuda extra. 

Pensamos também em fazer uma avaliação baseada em pares, porque é bom ter e dar feedback. Teremos uma lista de leitura, porque qualquer pessoa instruída deve ler um subconjunto desses livros. 

Isso é um pouco tradicional, mas acho que é a base de conhecimento. Vamos fazer uma curadoria, mas uma vez que alguém mostre que sabe fazer isso, se torna parte desse comitê para decidir o que deve estar na lista e o que não deve. 

Nessa escola de ensino médio virtual, em um dia de oito horas, um estudante vai passar duas ou três horas por dia trabalhando de forma independente, aprendendo em seu próprio tempo e ritmo, mas tendo momentos síncronos. 

E, toda semana, terá uma verificação de cada domínio com um pequeno grupo de alunos e uma reunião com um orientador. Para mim, é o ideal quando você tem interação humana e as outras coisas podem acontecer de forma assíncrona. 

O que acabei de descrever parece atraente também se puder fazer pessoalmente.

Valor: Como vê o ensino no futuro? Qual é o papel dos professores?

Kahn: Estamos em um mundo onde o papel do professor não deveria ser o de entregador de informações. Existem tantas fontes que os alunos podem recorrer em seu próprio tempo e ritmo. 

Eu vejo o professor como um facilitador, em termos de conduzir uma conversa. Sócrates não deu palestras. Sócrates dirigiu diálogos e foi um dos maiores professores de todos os tempos.

Em uma escola virtual ideal, o professor terá um seminário diário, uma conversa, com um grupo de 10, 15 alunos, que vão fazer perguntas, e ele vai perguntar: “quem aqui acha que o Facebook deve ser responsabilizado pelos pobres?”.

O papel do professor é o de perguntar e desdobrar os assuntos. O professor até pode puxar um, dois ou três alunos de lado, ver como eles estão indo, ter uma conversa pessoal, orientá-los.

 Pode ser uma pequena explicação acadêmica ou algo como “você pode fazer isso. Você apenas tem que continuar a perseverar”. 

É um momento de coaching. E um professor também pode ser um designer de sistemas, o que significa, em vez de ir todos os dias se apresentar para a classe, criar um sistema do qual faz parte, onde a classe quase pode ensinar sozinha. 

Não estou minimizando o seu papel, é exatamente o oposto. Acho que essa é uma função de ordem muito superior. 

Como você diz a dez crianças que ensinem umas às outras? Como você faz um workshop com elas? Como fazer um seminário socrático? Como faço isso e tenho certeza de que elas estão progredindo? 

É como se você fosse o regente de uma orquestra. Você é o pensador do sistema, você é um engenheiro e tem tudo a ver com a maximização da conexão entre humanos.

Valor: Quais são as competências essenciais para os profissionais no futuro?

Kahn: Eu realmente acho que são as habilidades tradicionais de leitura, escrita e matemática. 

Escrever é uma habilidade que as pessoas precisam ter não só para comunicar, mas porque é preciso ser um leitor muito mais criterioso, porque você não tem terceiros dizendo isso é bom e isso é ruim. 

Você tem que decidir, essas notícias são falsas ou não? Isso é ciência real ou é falsa?

 Eu também acredito muito em pessoas programando e aprendendo cálculo, mas se você tiver a habilidade de pensamento crítico, um pensamento em nível algébrico, se puder escrever, vai ter uma compreensão de leitura sólida e vai estar à frente de 95% das pessoas no planeta.

É quase triste dizer isso, mas é verdade. As artes, o lado criativo, o design são cruciais hoje, mais do que nunca, dependendo de como você aborda isso.

Valor: Qual o seu conselho para as pessoas aprenderem remotamente de forma mais produtiva?

Kahn: Para aprender e trabalhar de forma mais produtiva é preciso ser introspectivo: o que está funcionando para você e o que não está? 

Eu não consigo ficar olhando para uma tela do Zoom oito horas por dia e passei a dizer às pessoas que iria desligar a câmera em muitos casos. 

Mas vejo muitas pessoas que se sentem pressionadas. “Meu chefe está fazendo isso. É melhor eu fazer isso também.” Mas converse, talvez o seu chefe também não queira usar o Zoom. Talvez ele até prefira um telefonema. Esse é o lado do aprendizado. 

Muitos professores se sentiram pressionados a replicar completamente o dia escolar tradicional no Zoom e ficaram exaustos. Os alunos foram derrotados fazendo isso.

As pessoas podem ter uma conversa honesta sobre qual é o melhor uso produtivo do tempo, como tornar as coisas mais energizantes e envolventes, quais ferramentas e recursos podem ajudar.

Fonte: Stela Campos, jornal VALOR

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