Como um dos representantes da
chamada corrente de autores pós-industrialistas, é preciso creditar a Alvin
Toffler a sábia intuição de uma terceira onda quando, ainda na década de 1960,
boa parte dos pesquisadores acadêmicos mal concebia o que acabou sendo
denominado “Terceira Revolução Industrial”. Toffler se distingue ao afirmar que
a era da chaminé (ou da máquina) foi superada.
Não haveria mais razões para
falar de civilização industrial, mas de uma economia super simbólica, que se
baseia nos computadores, na troca de dados, de informações e de conhecimento.
Toffler confere, assim, um mesmo estatuto teórico a três “ondas”: a) primeira,
entendida como a revolução agrícola; b) segunda, identificada como a revolução
industrial; c) terceira, correspondente a uma revolução da informação.
De maneira que a atual revolução tecnológica equivale a uma nova
e terceira aceleração da história, e não a mais um desdobramento da Revolução
Industrial. Importante percepção.
Cabe alertar, no entanto, que a visão de Toffler, como a de
outros autores pós-industrialistas, incorre num viés tecnicista, porque, ao
eleger o fator técnico como motor da história, não levam em consideração as
contradições sociais que fecundam e movem essa mesma história.
Crítica do discurso ideológico em torno do milagre
técnico, a cantora Pitty, em sua fabulosa música Admirável
Chip Novo (2003), oferece uma letra bastante
ilustrativa sobre os limites da revolução da informação que pretende captar a
lei da evolução social: “Pane no sistema alguém me
desconfigurou/Aonde estão meus olhos de robô?/Eu não sabia, eu não tinha
percebido/Eu sempre achei que era vivo/Parafuso e fluído em lugar de
articulação/Até achava que aqui batia um coração/Nada é orgânico é tudo
programado/E eu achando que tinha me libertado/Mas lá vem eles novamente, eu
sei o que vão fazer:/Reinstalar o sistema/Pense, fale, compre, beba/Leia, vote,
não se esqueça/Use, seja, ouça, diga/Tenha, more, gaste, viva/Pense, fale,
compre, beba/Leia, vote, não se esqueça/Use, seja, ouça, diga/Não senhor, Sim
senhor,/Não senhor, Sim senhor”.
Pitty chama a atenção para um detalhe importante: por trás de
uma revolução digital, encontram-se retrocessos interpessoais. Considerando a
advertência expressa pela cantora baiana, no reino da instrumentalização, a
sociedade ganha em técnica e objetividade, ao mesmo tempo em que percebe as
subjetividades mutiladas.
Em termos práticos, uma subjetividade mutilada gera autômatos
para o mercado de trabalho e potenciais psicopatas no convívio social. Cabe
lembrar que as antigas narrativas, formadoras de modos de ser, agir e pensar,
foram substituídas pelo cinema; as relações humanas, pelas redes sociais; a
historiografia, pelos metadados; e a memória humana, pelo HD dos
supercomputadores, atualmente demandando acondicionamento da ordem dos hexabytes!
Enquanto o discurso informatizado e mercantilizado afirma que o mundo se uniu e
as pessoas estão mais próximas do que nunca, assistimos perplexos à construção
de muros entre as nações, às guerras de separativismo, ao ressurgimento do
confronto ideológico entre potências e a uma exacerbação do comportamento
agressivo no meio social à qual se dá o nome de violência
gratuita.
Concepções a partir de várias realidades
Articulando as percepções de Toffler e Pitty, acompanhamos uma
mutação, em andamento e constante aceleração, que não é somente de ordem
tecnocientífica, capitaneada pelas relações econômicas globais e pela busca de
mercados consumidores, mas que abrange também as esferas das relações sociais,
da vida psíquica e do pensamento.
Na sociedade globalizada, mais bem entendida como um processo de
“ocidentalização do mundo”, tais recursos tecnológicos vão muito além da
relação trabalho-emprego, impactando a vida dos indivíduos nos meios social,
familiar, educacional e no registro emocional, fonte da identificação dos
desejos. Nesse sentido, convém reconhecer que a revolução
digital faculta uma
transformação perceptiva de envergadura: contribui para mudar o modo cartesiano
de refletir e de ordenar o mundo, fazendo com que se passe para um pensamento
holístico, que consiste em apanhar a complexa teia de interdependências dos
fenômenos, concebidos como sistemas abertos de relações.
A nova forma de pensamento apreende o mundo em fluxo ou em ação,
um mundo conjugado no gerúndio, uma espécie de hipertexto que relaciona funções
ou estruturas, embora pertencentes a totalidades diversas. Ao universo
literário e gutenberguiano sucede um universo em que prevalece o visual interrelacionado
com outras linguagens – a radiofônica, a televisiva, a cinematográfica, a
videográfica. No campo da transmissão informativa, avanços são significativos.
Ocorre, porém, que a compreensão informativa precisa ser mais incentivada
plural e coletivamente. Só assim a revolução digital será de
fato efetivada.
Informações, e não dados, constituem o
material bruto para o pensamento, a tomada de decisões, a solução de problemas,
o desenvolvimento de atitudes, o aprendizado e todas as atividades especificamente
humanas que se referem ao nosso próprio funcionamento psicológico e ao
comportamento das pessoas. A revolução digital deixa mais nítida o que disse Lee
Thayer, em Princípios da Comunicação
Administrativa (1972): “Nós falamos uns aos outros como se nos referíssemos à realidade,
em vez de às concepções que formamos a partir de várias realidades”.
Marcos Fabrício Lopes da Silva -
professor universitário, jornalista, poeta e doutor em Estudos Literários
Fonte:
site Observatório da Imprensa