NÃO TENHO MARIDO, MAS SOU FELIZ


Não tenho marido, mas sou feliz

A cultura brasileira aprisiona as mulheres em modelos de sexualidade, beleza e juventude.

A roteirista do "Encontro com Fátima Bernardes" me pediu um vídeo de 90 segundos comentando a personagem Rebeca (Andréa Beltrão) da telenovela "Um Lugar ao Sol".

As cenas de Rebeca se masturbando e falando sobre menopausa, velhice, amor, casamento e sexo estão tendo enorme repercussão entre as mulheres maduras. Uma das cenas entre ela e o marido Túlio (Daniel Dantas) é o retrato das brigas que testemunhei em vários casamentos.

Rebeca está chateada porque a irmã disse que ela é superficial e imatura. Túlio a beija e diz: "Não dramatiza, vem cá".

"Não quero nada hoje, queria tomar um remédio para dormir e apagar".

"Parece que o nosso fuso sexual está meio descompassado... Vou tomar um banho".

Quando sai do banho, ele vê Rebeca se masturbando.

"Túlio, a gente pode conversar? Naquela hora eu não quis transar com você..."

"Porque você queria se satisfazer sozinha..."

"Não, não é isso. É porque eu queria um abraço, eu queria um beijo, eu queria um colo, eu queria conversar sobre o que tem acontecido com a minha irmã, comigo, que não foi nada agradável. 

A transa não começa na transa, começa de manhã, do jeito que você me trata".

"Rebeca, eu acho que a sua irmã tem razão, você é completamente imatura. 

Porque isso aqui não é um namoro onde as pessoas ficam conversando na terça-feira até às três horas da manhã para trepar depois. Isso é um casamento. 

E em um casamento a gente tem intimidade suficiente para uma transa sem três horas de preliminares verbais".

"Você se convence que o problema do nosso casamento sou eu, porque eu sou imatura, porque eu sou carente. Sabe há quanto tempo você não ri de uma piada minha? Quanto tempo você não me pergunta como foi o meu dia?"

"Eu não pergunto porque eu sei como foi o seu dia. Você não fez nada. 

Esse é o seu problema. É esse o diagnóstico: falta de ocupação. Não joga a sua frustração em cima de mim. Para de encher o meu saco. Vou para a sala, dormir".

"Vai, aproveita e liga para sua engenheira e fica falando com ela no celular, escondido no banheiro, tão bonita que tem idade para ser tua filha. Idiota".

No dia seguinte, Rebeca encontra Felipe (Gabriel Leone), namorado da melhor amiga da sua filha. Felipe deixa a namorada de 18 anos para viver a paixão por Rebeca. 

Na vida real, Andréa Beltrão tem 58 anos e Gabriel Leone, 28.

Como dizer tudo o que eu gostaria em 90 segundos?

Como falar da minha pesquisa com 50 casais que gerou o livro "Por que os homens preferem as mulheres mais velhas?" 

E também do tabu da idade e das acusações que as mulheres sofrem por se relacionarem com homens mais jovens: velha ridícula, coroa periguete, velha caquética e sem noção? 

E comentar a relação amorosa de Fátima Bernardes, de 59 anos, com o advogado Túlio Gadêlha, de 34?

Após passar horas rascunhando o que dizer, enviei a seguinte mensagem:

"Rebeca representa os conflitos de milhões de mulheres que estão com medo de envelhecer e se sentindo invisíveis e fracassadas. 

Traída, ignorada e desprezada pelo marido, ela retrata o clichê que aprisiona tantas mulheres insatisfeitas e infelizes com a própria vida: ‘Não sou feliz, mas tenho marido’.

Se Rebeca é ficção, Fátima Bernardes é o exemplo concreto de que é possível ser feliz, bela e plena na maturidade. 

Com mais de 50 anos, ela encontrou um amor verdadeiro, um amor companheiro, que faz com que ela dê risadas, que a abraça nos momentos difíceis, que valoriza a mulher admirável que ela é.

O que eu mais escuto das mulheres de mais de 50 anos é: ‘Nunca fui tão livre, nunca fui tão feliz, é o melhor momento de toda a minha vida. 

Eu floresci com a maturidade. É a primeira vez que eu posso ser eu mesma. É uma verdadeira revolução’.

Rebeca, na ficção, e Fátima na vida real, são exemplos inspiradores de mulheres que têm a coragem de se libertar dos preconceitos e estigmas que estão dentro de nós mesmas. 

Cada mulher que se liberta da velhofobia liberta muitas brasileiras que estão sofrendo por se sentirem invisíveis em uma cultura que aprisiona mulheres de todas as idades".

MIRIAN GOLDENBERG - antropóloga e professora da Universidade Federal do Rio, é autora de "A Bela Velhice".

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