Pesquisa
mostra efeito do jejum em períodos noturnos em moscas.
Fazer jejum forçado pelas circunstâncias é
pavoroso.
Mas, na melhor demonstração de que mais de uma coisa boa não é necessariamente
melhor, sabemos que comida demais também mata, ainda que de uma maneira mais
prolongada, e que expia a culpa do dono do cérebro que comeu.
Afinal, não se
morre imediatamente após o Menu Refeição cotidiano do MacD, e sim décadas mais
tarde, de um ataque cardíaco.
Convencido de que estabelecer causa e efeito
requer associação temporal imediata, o cérebro, entupido de xarope de frutose e
batata frita, segue adiante.
Através de mecanismos que começam a ser
compreendidos, a redução da ingestão alimentar, também chamada de restrição
calórica, mas que também atende pelo singelo "comer menos", é maneira
certeira de estender a duração da vida saudável. Funciona em humanos, macacos,
vermes e moscas.
Contudo, "comer menos" é aquilo que todo
mundo detesta. Porque moderação sozinha não basta: para a restrição calórica
funcionar, é preciso ficar eternamente com uma fominha, uns 20% aquém das
calorias usuais.
Eis que surge em cena o jejum voluntário como o
salvador dos nossos apetites.
Em jejum, o corpo usa predominantemente gorduras
como fonte de energia: os pneus vão-se gradualmente embora, o metabolismo fica
mais saudável, o cérebro mais acordado.
No dia seguinte, dá até para enfiar o
pé na jaca —desde que se respeite novamente o jejum a seguir.
O problema é que o tal do jejum intermitente, onde
se come por 12 horas depois não, funciona muito bem para alguns, mas não para
todos. Por que não?
Um novo estudo
feito na Universidade Columbia, em NY, nos EUA, explica, testa variações, e
ainda demonstra como a coisa funciona.
Usando mosquinhas da fruta de
laboratório, que não reclamam da dieta, não escondem bombom debaixo do colchão
e não assaltam a geladeira no meio da noite, Mimi Shirasu-Hiza e equipe
descobriram que o que importa é adentrar a noite já num estado de jejum,
pulando o jantar, e continuar assim até o dia seguinte.
A mágica acontece quando o jejum potencializa algo
que já acontece normalmente durante a noite, tanto em moscas quanto em gente: o
processo de autofagia celular.
O nome é feio e remete a autodestruição, mas o
processo é positivo para o corpo, e está mais para reciclagem bacana que de
fato diminui a pilha de lixo que se acumula pelas células conforme elas vivem
suas vidas.
Usando aqueles truques bacanas de manipulação
genética que custam dinheiro que o CNPq não dá e requerem reagentes pacíficos,
mas que a alfândega brasileira adora segurar por uns meses, Shirasu-Hiza e
colaboradores provam e comprovam que o que o jejum noturno faz pelas moscas é
maximizar a reciclagem daquela tralha que se acumula em nossas células ao longo
da vida e que, de maneiras ainda não compreendidas, acabam matando a gente.
SUZANA HERCULANO-HOUZEL - bióloga e neurocientista da Universidade
Vanderbilt (EUA).