O Brasil nunca esteve tão polarizado. As
divisões nasceram com a estratégia de defesa do governo às acusações do Mensalão, caracterizando-as como uma
tentativa golpista de uma suposta “elite branca” interessada em reverter
conquistas do povo. As eleições as expuseram e aumentaram. 54,5 milhões de eleitores
reelegeram Dilma Rousseff, mas 87,2 milhões – a soma dos votos em Aécio Neves,
brancos, nulos e abstenções – não votaram nela.
As pesquisas eleitorais já
apontavam rachas socioeconômicos e educacionais. Segundo elas, Dilma venceu
entre eleitores que ganham até 2 salários mínimos e perdeu entre os demais;
venceu entre os que têm até o ensino fundamental e perdeu entre os que cursaram
ao menos o ensino médio.
O racha mais visível foi o
geográfico. Dilma ganhou por 13,5 milhões de votos no Norte e Nordeste. No Sul,
Sudeste e Centro-Oeste, Aécio ganhou por 10 milhões de votos.
O Bolsa-Família sozinho
explica os resultados do segundo turno no Distrito Federal e em 22 dos 26
estados brasileiros. No Brasil, pouco mais de 25% das famílias recebem
Bolsa-Família. Em todos os estados do Norte e Nordeste, a percentagem é maior,
chegando a quase 60% no Piauí e Maranhão. Nestes dois estados, Dilma venceu com
quase 80% dos votos válidos.
No Sul, Sudeste e
Centro-Oeste, a porcentagem das famílias que recebem Bolsa-Família é inferior
menor, chegando a menos de 15% no Distrito Federal, em São Paulo e Santa
Catarina. Aí, Dilma teve menos votos, não chegando a 40% deles.
Nos estados com mais de 25%
das famílias recebendo Bolsa-Família, incluindo Minas Gerais, Dilma ganhou em
todos menos Acre, Rondônia e Roraima. Dos estados onde menos de 25% recebem
Bolsa-Família, ela só ganhou no Rio de Janeiro.
Então, afloraram preconceitos
e distorções. Alguns no Sul e Sudeste creditaram a vitória de Dilma no Nordeste
a supostas questões culturais, sem notar os resultados em áreas mais pobres de
seus próprios estados. Por exemplo, Dilma perdeu em todo o estado de São Paulo,
menos no Vale da Ribeira.
Alguns chegaram a sugerir que
beneficiários do Bolsa-Família deveriam perder o direito ao voto enquanto
estivessem no programa. Por este raciocínio, estudantes de faculdades públicas
e usuários de hospitais públicos também não deveriam poder votar?
Muitos creditam o impacto
eleitoral do Bolsa-Família a uma campanha para amedrontar seus beneficiários
que o programa seria extinto se a Presidenta não fosse reeleita. Tais denúncias
devem ser apuradas e punidas, mas para entender o impacto eleitoral total do
Bolsa-Família é importante compreender seus múltiplos efeitos econômicos. Eles
vão muito além da renda direta de seus beneficiários. Como o valor de cada
benefício é baixo, ele é gasto integralmente, nada é poupado. Assim, a renda do
Bolsa-Família impulsiona o consumo e a atividade econômica. Nas regiões mais
pobres, onde mais gente recebe Bolsa-Família, o impacto é maior.
Em termos concretos, com o
Bolsa-Família, mais gente comprou bolachas na mercearia do Seu Zé. Como vendeu
mais bolachas, Seu Zé comprou uma TV nova. O dono da loja de eletroeletrônicos,
que vendeu mais TVs, trocou de carro e o dono da concessionária de veículos
comprou um apartamento novo. O Bolsa-Família não beneficia apenas famílias mais
pobres, mas toda a economia de regiões mais pobres.
Isto não significa que o
programa não tenha defeitos graves. Em regiões onde salários e custo de vida
são baixos, ele desestimula seus beneficiários a buscar emprego. Pior, ele não
prepara as famílias para que deixem de precisar do programa no futuro e
tenham perspectivas melhores do que as que o programa pode lhes oferecer. O
fato de que 56 milhões de pessoas, um em cada quatro brasileiros, necessitarem
do Bolsa-Família para sobreviver é sinal de fracasso, não de sucesso. O
programa tem de estar disponível para quem precisar, mas menos gente tem de
precisar dele. Ele precisa tratar da causa dos problemas – a falta de preparação
– e não apenas da consequência – a falta de recursos. A medida do sucesso do
programa deve ser quantas pessoas saíram dele e não quantas entraram.
Isto me traz à segunda razão
para as diferenças regionais na eleição. Nos últimos 4 anos, o Brasil ficou
apenas em 161o lugar entre 182 países em crescimento do PIB. As regiões Sul e Sudeste, as
mais industrializadas do país, cresceram ainda menos. A produção da indústriacaiu e é hoje menor do que há 6 anos. Por consequência, regiões onde
a indústria tem um peso maior têm ficado para trás.
É ótimo que Centro-Oeste,
Norte e Nordeste tenham crescido mais rapidamente que o Brasil, mas se a
indústria e as regiões Sul e Sudeste não se recuperarem, elas puxarão para
baixo o desempenho dos demais setores e regiões. Isto já está acontecendo. Por
isso, a economia brasileira estagnou neste ano. Centro-Oeste, Norte e
Nordeste representam só 28% do PIB do país. Mal comparando e sem nenhum sentido
pejorativo, o rabo não consegue abanar o cachorro. Se
queremos voltar a crescer,
o país precisa superar suas diferenças e criar condições para que todos prosperem.
Ricardo Amorim
- economista, apresentador do programa Manhattan Connection da Globonews e presidente da Ricam Consultoria.