A tragédia brasileira nunca vai terminar?
- O ódio coletivo ou individual se exacerbou após a pandemia de
Covid-19, diz a médica Margareth Dalcolmo
- Pneumologista tinha esperanças de Renascimento com o fim da crise
da doença
"Você
tem alguma esperança de que os brasileiros vão melhorar depois que essa
tragédia passar?"
Nunca
soube como responder quando alguém me fazia essa pergunta durante a pandemia de Covid-19.
No
entanto, quando escutava as falas da médica Margareth Dalcolmo, na sua luta
incansável contra o negacionismo que se alastrou no país, despontava uma
fagulha de esperança no meu coração.
Conheci Margareth no início dos anos 1990, primeiro
como minha médica pneumologista e depois como amiga.
Recentemente, resolvi
perguntar à capixaba de Colatina, que veio ainda criança morar na cidade do Rio
de Janeiro, como ela avalia o que aconteceu no Brasil e o seu papel durante a
pandemia.
Aos 70 anos, Margareth afirmou que fica muito
honrada de ter recebido tanto reconhecimento e carinho por seu papel durante a
pandemia e também no pós-pandemia.
Destacou que já era uma cientista bastante
reconhecida por sua atuação na área da tuberculose e outras doenças
respiratórias no Brasil, por ter sido presidente na Sociedade Brasileira de
Pneumologia e Tisiologia e por ter exercido posições junto ao Ministério
da Saúde, sendo pesquisadora da Fiocruz.
O fato de ter feito parte do grupo original que
assessorou o então ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, em Brasília,
ainda no momento da declaração de pandemia pela OMS (Organização Mundial da
Saúde), levou Margareth a gravar a primeira entrevista pública sobre a
Covid-19, no dia 14 de março de 2020.
Na entrevista, ela fez um prognóstico
bastante realista, dizendo que uma tragédia se abateria sobre o Brasil, uma vez
que o país não estava preparado para enfrentar uma epidemia da magnitude que se
avizinhava.
E Margareth estava certa. Durante todo o período da
pandemia, ela procurou passar informações difíceis e duras, mas sempre
transmitindo um pouco de esperança, de força e de coragem.
Para ela, as vacinas
são a grande e definitiva nova arma para todas as viroses agudas de transmissão
respiratória.
Margareth me disse que errou ao avaliar que haveria
uma espécie de "novo normal" após a pandemia, como ocorreu em outros
momentos difíceis que o planeta atravessou.
Para ela, o melhor exemplo são as
grandes pestes do final do século 14 que geraram o Renascimento.
Em seu livro "Um Tempo para Não Esquecer – A visão da Ciência no
Enfrentamento da Pandemia do Coronavírus e o Futuro da Saúde",
que recebeu o Prêmio Jabuti na
categoria Ciências em 2022, Margareth escreveu que esperava uma outra espécie
de Renascimento no mundo, um mundo em que as pessoas se mostrassem mais
fraternas umas com as outras.
"O número de conflitos que se criou no mundo é
muito maior do que seria pensável. O ódio coletivo ou individual, sobretudo a
indiferença, se exacerbou de uma maneira que me choca como pessoa e como
médica. Sem dúvida nenhuma, eu acho que a mudança de comportamento impactou
sim, mas impactou num sentido em que eu me decepciono, sobretudo com os jovens
em relação aos mais velhos, considerando que nós vivemos no Brasil, com uma
população que envelhece muito rapidamente. Você sabe muito bem que nós somos o
país que mais rapidamente envelhece. Então, nós tínhamos que estar muito mais
enternecidos e sensíveis a essa situação demográfica. Infelizmente não é isso
que eu vejo, aconteceu exatamente o contrário".
Será que a tragédia brasileira vai ter, algum dia,
um final feliz?
MIRIAN
GOLDENBERG
- antropóloga e professora da Universidade
Federal do Rio de Janeiro, é autora de "A Invenção de uma Bela
Velhice"