ESG e a ética de barriga cheia
Nova regra da B3 e Reforma Tributária mostram que o tema não deveria
sair do seu radar.
Começou a valer no último dia 19
o novo Regulamento de Emissores da B3, a nossa Bolsa de Valores. A novidade no
regramento é um anexo com uma "medidas ASG" (Ambientais, Sociais e
de Governança Corporativa) —tradução
do ESG— que devem ser cumpridas pelas companhias
abertas.
O anexo diz que as empresas
devem ter entre os membros do conselho de administração ou da diretoria
estatutária pelo menos uma pessoa que se identifique com o gênero feminino e um
membro de comunidade sub-representada —preta, parda, indígena, integrante da
comunidade LGBTQIA+, ou com deficiência.
Na última pesquisa sobre o tema
—em dezembro de 2021— a Fundação Dom Cabral mostrou que mais de 90% dos CEOs de
empresas brasileiras são homens brancos, com idade média de 50 anos. Ganha uma
ação da Oi quem apontar qualquer mudança significativa nesse quadro desde a
data do estudo.
Além de todos os benefícios
sociais de gerar diversidade no topo da pirâmide, há o financeiro, que já foi
quantificado pelo banco Goldman Sachs, em estudo que citei aqui. Os fundos com mais
mulheres na gestão tiveram rentabilidade maior na crise da Covid-19.
Acontece que, pelo documento da
B3, as tais medidas ASG devem ser atendidas "no modelo pratique ou
explique". Isso, em português, significa que quem não quiser cumprir basta
explicar o motivo. Já dá para pedir para o ChatGPT elaborar uma lista de explicações
que vão aparecer, como "pool de talentos limitado", "barreiras
sistêmicas" e "área de atuação que exige muita especialização".
A lógica nisso é que o papel da
Bolsa é exigir transparência. Julgar se é bom ou ruim adotar tais iniciativas
caberia ao mercado, com valorização ou desvalorização das ações das empresas.
Enquanto a nova regra ESG da B3
segue o raciocínio de "livre mercado", a Reforma Tributária ameaça ir
no caminho contrário e efetivamente punir, financeiramente, empresas que não
estejam com a governança ambiental em dia.
O texto da PEC (Proposta de
Emenda à Constituição) 45/2019 aprovado pela Câmara dos Deputados em julho traz a previsão do imposto seletivo,
também apelidado de "Imposto do Pecado". Ele prevê a taxação sobre a
"produção, comercialização ou importação de bens e serviços prejudiciais à
saúde ou ao meio ambiente".
A regra é muito polêmica, tanto
pela lógica que segue quanto por ser impossível prever como serão definidas
quais atividades serão consideradas prejudiciais ao meio ambiente. Combustíveis
fósseis parecem uma resposta óbvia. Mas alguém consegue imaginar o governo
cobrando mais impostos da Petrobras?
O frisson pela discussão do tema
ESG parece ter esfriado conforme o dinheiro parou de circular em abundância no
setor privado (efeito da inflação e dos juros altos). Os grandes fundos e
líderes do mercado foram deixando o tema de lado, seguindo aquela lógica pela
qual é mais fácil discutir ética de barriga cheia. Quando há pouco dinheiro na
mesa, usa-se menos critérios, além do retorno esperado.
O chamados fundos ESG no Brasil
ainda beiram os 50 mil investidores, entre mais de 35,5 milhões de contas que
investem em fundos no país. A nova regra da B3 e o texto da Reforma Tributária
mostram, no entanto, que o mundo está girando e o tema não deveria sair do seu
radar.
MARCOS DE VASCONCELLOS - jornalista, assessor de investimentos e fundador do Monitor do Mercado.