Minha área da neurociência, a
neurobiologia comparativa, é considerada ciência absolutamente básica, daquela
que se interessa em entender aspectos fundamentais do sistema nervoso e sua
diversidade sem se preocupar com a utilidade que esses novos conhecimentos um
dia terão (mas na certeza de que esse dia chegará). Prova disso é o lema
brincalhão do nosso pequeno grupo de especialistas, o JB Johnston Club:
"neuroanatomistas comparativos tem mais cérebros".
Mas ocasionalmente até a
neurobiologia comparativa tem seus dias de aplicação imediata. Exemplo disso
foram os achados apresentados por Oyvind Overli, da Universidade Norueguesa de
Ciências da Vida, em nossa última reunião em Chicago, dias atrás, durante uma
apresentação de puxar o tapete de quem acha que o cérebro humano é ímpar.
Segundo Overli, peixes também demonstram características de depressão - e
ensinam que, às vezes, sofrer de depressão pode ser a melhor saída para uma
situação ruim.
Overli estuda o comportamento
de peixes colocados em aquários na presença de um estranho maior, menor, ou de
tamanho semelhante. Quando há diferença óbvia de tamanho, o maior rapidamente
se torna dominante, explorando ativamente o aquário, enquanto o outro fica
quieto.
Quando os peixes tem tamanhos
semelhantes, contudo, vários enfrentamentos se seguem, como se os animais se
medissem mutuamente. Os confrontos elevam os níveis de hormônios de estresse, e
ao cabo de algumas horas de embate, um dos animais sai vencedor: é o novo
"dono" do aquário. A partir daí, o perdedor recolhe-se à sua
insignificância - e passa a demonstrar sinais claros de depressão: pouca
atividade, pouca motivação e iniciativa, menor apetite, perda de peso.
Para quem se apressaria em
curar o animal "deprimido" nessa situação, Overli faz, contudo, uma
ressalva crucial: neste contexto de estresse profundo e continuado, a depressão
é... adaptativa. Tratar o animal com antidepressivo faz com que ele volte a
enfrentar o "dono do aquário", e várias vezes acabe morrendo no
confronto - prova de que recolher-se protege o animal dominado de sofrer mais
agressões. O paralelo com pessoas vivendo situações semelhantes de opressão é
óbvio.
Por isso o diagnóstico correto
da depressão como condição clínica, patológica, é tão importante. Não bastam os
sinais óbvios de falta de motivação e tristeza. Às vezes, o que precisa de
conserto não é o cérebro, e sim seu ambiente.
Suzana Herculano-Houzel - neurocientista, professora da
UFRJ, autora do livro "Pílulas de Neurociência para uma Vida Melhor"
(ed. Sextante)
Fonte: www.suzanaherculanohouzel.com