Autor usa experimento com pombos para
mostrar como nos tornamos viciados em produtos tecnológicos.
Poucos
artigos sérios usam a palavra "vício" para falar de tecnologia. É
comum ver eufemismos como "compulsão" ou "uso exagerado".
Vício é palavra ainda rara. Ou ao menos era. Na edição de janeiro de 2015, a
revista "Wired" (influente publicação sobre tecnologia) não hesitou
em usar a palavra "viciante" ("addictive"), da seguinte
forma: "Facebook, Twitter, Instagram, 'World of Warcraft', 'Angry Birds'.
Os produtos tecnológicos de maior sucesso têm uma coisa em comum: eles são
viciantes".
O
texto comenta a obra do consultor Nir Eyal, especializado em aconselhar
empresas e designers a tornarem seus produtos mais viciantes. Eyal é autor do
livro "Hooked: How to Build Habit-Forming Products" (fisgado: como
construir produtos que formam hábitos) e roda o mundo auxiliando a
"fisgar" usuários e não soltá-los mais. Ele gosta de descrever sua
área como "engenharia de comportamento", profissão que não faria feio
nos livros de ficção científica de William Gibson ou Philip K. Dick.
Em
seu livro, Eyal cria um sistema a partir de autores polêmicos como B. Frederic
Skinner, inventor da "caixa de Skinner". Nela é colocado um pombo que,
para se alimentar, precisa puxar uma alavanca. Skinner demonstrou que, se a
comida aparece todas as vezes em que o pombo aciona a alavanca, o bicho se
torna preguiçoso e apenas a puxa quando sente fome.
Já
se a comida aparecer aleatoriamente, o pombo passa a acionar a alavanca
incessantemente, desenvolvendo uma compulsão por ela. Skinner demonstrou que
recompensas esporádicas ligadas a uma ação podem gerar compulsão por repetir a
ação (algo visível em cassinos ou muitos sites na rede).
Aproveitando-se
desses modelos, Eyal foi ainda além. Ele explica a dinâmica da criação do vício
com quatro elementos: gatilho, ação, recompensa esporádica, e investimento. O
gatilho são nossos confortos e desconfortos inevitáveis ao longo do dia. Por
exemplo, momentos em que sentimos tédio, solidão ou ansiedade. Ao passar por um
deles, buscamos algo que possa nos distrair.
Daí
vem a ação. Por exemplo, tirar o celular do bolso e abrir um aplicativo como o
Instagram. Ao fazer isso, a recompensa é incerta. Podemos achar uma foto
interessante ou não. Uma vez que esse comportamento é associado ao gatilho, o
vício se forma. Quando a pessoa se sentir desconfortável novamente, terá
vontade de abrir o Instagram.
A
última fase do processo é o investimento. Ele acontece quando a pessoa passa a
trabalhar para o ciclo. Por exemplo, passa a postar fotos suas no Instagram,
pois sabe que isso irá gerar comentários e likes. Nesse momento a pessoa passa
a ter incentivos adicionais para voltar frequentemente ao aplicativo para
conferir, e o ciclo recomeça.
Muitas
pessoas ficarão incomodadas com o trabalho de Eyal. Outras vão sair correndo
para comprar seu livro. O fato é que sua obra nos provoca a pensar de que lado
da caixa de Skinner estamos neste exato momento.
Ronaldo Lemos - advogado e diretor do
Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro ronaldo@itsrio.org
Fonte:
caderno TEC do jornal FSP