Para onde foi a vovó é pergunta tão
fácil quanto impossível de responder
O
psicanalista Mario Eduardo Costa Pereira, autor do best-seller “Pânico e
Desamparo” (Escuta, 1999), começou sua fala num evento recente de psicanálise
avisando que precisaria sair impreterivelmente às 12h00. Completou a informação
com a frase: “tenho que encerrar no horário marcado, pois vamos todos
morrer”.
Obtida
a esperada reação, Pereira explicou que, se não fôssemos morrer, não teríamos
porque nos preocupar com a duração dos eventos, que poderiam estender-se
eternamente.
A
morte, parafraseando Protágoras de Abdera, “é a medida de todas as coisas”, sem
a qual, nada do que fazemos teria sentido.
Lacan
dizia que só aguentamos a vida na condição de sabermos que ela acaba e
Winnicott deixou a dica de tentarmos estar vivos até o momento de nossa
morte.
Como falar sobre a morte com as crianças –
Para
a psicanálise, a morte autoimposta, como no suicídio, e a existência de
“mortos-vivos” são temas cruciais para refletirmos sobre o viver.
Vale
a leitura do dossiê da revista Cult de outubro, que aborda o suicídio, assunto
urgentíssimo. Os mortos-vivos, por sua vez, nunca estiveram tão em alta como
hoje. “Ensaios sobre Mortos-Vivos”, de Diego Penha e Rodrigo Gonsalves (Aller,
2018), nos dá a dimensão da importância de pensarmos as existências alienadas e
psiquicamente empobrecidas que se multiplicam à nossa volta.
Por
volta dos três anos de idade, as crianças já estão bem interessadas na questão
“de-onde-viemos-e-para-onde-vamos?”. Para onde foi a vovó ou para onde foi o
peixinho são perguntas tão fáceis de responder quanto impossíveis.
Se
podemos indicar onde corpos inertes são jogados ou sepultados, não temos a
mínima ideia sobre o destino do que os animava.
Sempre
me surpreendeu a insistência de Freud em querer saber o porquê de sofrermos
tanto diante da perda do objeto amado. Afinal, não é óbvio?
Imagino
o fundador da psicanálise como uma criança pentelha que perguntava sobre tudo
sem parar e que, diferentemente das demais, cresceu sem se emendar.
A
pergunta que não quer calar, e que se escancara diante da morte, é sobre o
destino a ser dado à falta que o outro nos faz. Para onde vai o amor
anteriormente investido, depois que o amado desaparece? De onde virá o amor,
depois de sua perda? O luto é o penoso e incontornável processo de transferir o
investimento amoroso para outros objetos para que a vida possa seguir sem, no
entanto, deixarmos de sentir a falta.
Lidando
com a morte do próprio pai, Freud escreveu sua obra-prima “A Interpretação dos
Sonhos” (Companhia das Letras, 2019), dando um destino magnífico para seu
sofrimento. Em “Luto e Melancolia” (idem, 2010), foi enfático em não recomendar
o tratamento do luto, pois qualquer um de nós teria as ferramentas para
realizar esse processo.
Caso
contrário, não teríamos como suceder nossos pais, companheiros, filhos... É
sabido, no entanto, que nossa época vai na contramão de todas as condições à
elaboração do luto preconizadas por Freud, dificultando aquilo que por si só
costuma ser duríssimo.
Minha
filha me perguntou, por ocasião da morte do tio, para onde ele tinha ido. Ela
tinha três anos. Respondi que algumas pessoas acreditavam que ele tinha ido
para a terra e outras que ele estava no céu, de fato, ninguém sabia, mas que o
duro mesmo era a falta que eu sentia dele. Depois de calcular um pouco, ela
disse que preferia acreditar no céu.
Cada
um que escolha sua resposta, desde que não nos furtemos a falar sobre a certeza
da morte.
Afinal, não temos a eternidade para abordar essa conversa.
Vera Iaconelli - diretora do Instituto Gerar, autora de “O Mal-estar
na Maternidade” e "Como Criar Filhos no Século XXI". É doutora em
psicologia pela USP
Fonte: coluna jornal FSP