1964-1984
São
Paulo, 6 de janeiro, manhã de segunda-feira. No primeiro dia útil do ano
político, com a presidente Dilma de volta a Brasília e os demais poderes ainda
em obsequioso recesso, está na hora de começarmos os trabalhos em 2014, um ano
que promete fortes emoções, além da Copa do Mundo no Brasil.
O
calendário marca duas efemérides históricas – os 50 anos do golpe militar e os
30 anos da Campanha das Diretas – e deixa uma pergunta no ar: o que esses dois
acontecimentos da segunda metade do século passado nos ensinam e podem
significar neste ano eleitoral?
Posso
dizer que eu e a ditadura militar (hoje sabemos que foi tão militar quanto
civil) começamos juntos, em 1964. Ficar velho tem dessas coisas: como o Repórter Esso (principal
telejornal da época), sou uma espécie de testemunha ocular da história deste
último meio século da vida brasileira, o que me permite escrever este texto de
cabeça, sem ter que consultar nenhum livro.
Aliás,
em maio, também completo 50 anos de jornalismo. Somos, portanto,
contemporâneos.
Alternativas
exóticas
Comecei
poucos dias após o golpe, trabalhando em jornais de bairro, quando ainda
cursava o colegial no Liceu Pasteur. Lembro-me que fomos dispensados da aula e
fiquei com muito medo sobre o que poderia acontecer ao ler nas bancas as manchetes
das edições extras dos jornais e revistas que comemoravam a queda de João
Goulart.
Em
1964, ao contrário do que aconteceria 20 anos depois na Campanha das Diretas,
toda a grande mídia deu vigoroso apoio ao golpe para derrubar o presidente
eleito, que procurava fazer as chamadas reformas de base, pelas quais o país
espera até hoje. Pesquisas de opinião recentemente reveladas mostram que
Goulart contava com ampla aprovação dos eleitores, mas era demonizado pelas
elites e as classes médias tradicionais, que desfraldaram três bandeiras para
derrubá-lo: o comunismo, a carestia e a corrupção.
Uma
grande multidão convocada pela imprensa para a “Marcha da Família com Deus pela
Liberdade” ocupou as ruas do centro de São Paulo, engordada pelos funcionários
das firmas e a criadagem doméstica dos organizadores abrigados nas famílias dos
quatrocentões paulistas. Jango cairia poucos dias depois, sem reagir.
No
final de 1968, naquele que ficou conhecido como o golpe dentro do golpe
perpetrado pelo Ato Institucional nº 5, entre outras atrocidades, como o
fechamento do Congresso Nacional, a cassação em massa de parlamentares, e a
prisão, tortura e morte de milhares de brasileiros, a mesma imprensa que levou
o povo às ruas contra Jango foi colocada sob censura. Começava a ditadura
fardada, sem disfarces.
Quando
o regime militar já dava seus primeiros sinais de exaustão, sindicatos,
entidades estudantis, movimentos sociais, partidos de esquerda colocados na
clandestinidade e a ala progressista da Igreja Católica começaram a reorganizar
a chamada sociedade civil para dar um basta à ditadura.
Do
final de 1983 até abril de 1984, o povo organizado tomaria conta das ruas de
todo o Brasil naquele que foi o maior movimento cívico já visto no país. Agora,
a grande imprensa, com a honrosa exceção da Folha
de S. Paulo, no início ignorou solenemente a dimensão e o
significado daquelas imensas manifestações populares, que acompanhei do
primeiro ao último dia.
No
dia 21 de abril de 1984, faltaram apenas 22 votos para a aprovação da emenda
que previa a volta das eleições diretas para presidente da República, principal
bandeira do movimento que defendia a volta do Estado de Direito e o retorno dos
militares aos quartéis.
Cinco
anos depois, porém, os brasileiros reconquistariam seu direito de eleger o
presidente da República e o país dava início ao mais longo período de respeito
às liberdades públicas desde a Proclamação da República.
Vamos
agora para a oitava eleição presidencial direta e é bom nos lembrarmos do que
aconteceu naquelas duas décadas que separam o golpe militar da luta pela volta
da democracia para não buscarmos novamente alternativas exóticas fora das urnas
para a disputa do poder central, como aqui e ali já se começa a notar.
Nos
quartéis
Coisas
estranhas andam acontecendo neste início de 2014, em que as mesmas forças
empresariais e midiáticas reunidas em 1964 buscam uma alternativa para o
governo do PT, há 11 anos no poder, e que disputa a reeleição com a presidente
Dilma Rousseff.
A
pauta única adotada com este fim, busca ao mesmo tempo mostrar que a economia
está em frangalhos e incentivar novos protestos de rua, como os de junho do ano
passado, que terminaram em atos do mais puro vandalismo. Sob o título “Não vai
ter Copa”, um colunista da Folha,
Vinicius Torres Freire, anunciou no domingo (5/1) que “manifestações marcadas
para começar no dia 25 podem embaralhar previsões para este 2014”.
Protestos
marcados por quem, com que objetivo, levantando quais bandeiras? E qual a razão
da escolha de 25 de janeiro, que eu me lembre ser apenas a data da fundação da
cidade de São Paulo e do aniversário do meu amigo Clóvis Rossi, um dos poucos
colunistas não engajados na pauta única definida pelo Instituto Millenium, que
não existia em 1964, mas já havia outras entidades semelhantes exercendo as
mesmas funções.
A
falta de uma agenda para os protestos não preocupa o articulista:
"A Copa é, óbvio, um prato cheio de desperdício,
politicagem autoritária, incompetência e outros acintes. A depender do gosto do
freguês manifestante, não vai ser difícil contrastar esta despesa perdulária e
arbitrária com algum motivo de revolta contra a selvageria social e a inércia
política brasileiras”.
O que
querem, afinal? Derrubar os estádios e cancelar a Copa ou impedir as eleições
presidenciais? Ou ambas as coisas estão neste momento intimamente ligadas?
Estão
brincando com fogo, mas uma coisa me parece certa: não contem desta vez com os
militares, que estão tranquilos em seus quartéis, exercendo os nobres ofícios
previstos na Constituição Cidadã duramente conquistada na redemocratização do
país em 1988.
Ricardo Kostcho - jornalista
Fonte: site Observatório da Imprensa