O absurdo do INSS em reter IR de benefício assistencial


O absurdo do INSS em reter IR de benefício assistencial

Aquele que justamente deveria ter a proteção do Estado tem sofrido em dobro.

Nem mesmo a renda dos mais pobres tem ficado de fora do desconto promovido pelo INSS.

O BPC (Benefício de Prestação Continuada), que goza de natureza assistencial, é pago no valor de um salário mínimo mensal às pessoas com deficiência e aos idosos que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou não poder sua família provê-la.

Pois bem. Em tese, o valor estaria livre de desconto de imposto de renda, além de não ser considerado como renda para fins de incidência do imposto de renda de pessoa física (IRPF), mas, mesmo assim, o Instituto tem ilegalmente retido o imposto.

O descabimento de cobrar tributo sobre valores recebidos a título de BPC chamou a atenção do Ministério Público Federal de Sergipe, que ajuizou ação civil pública com intuito de evitar que o estado se aproprie em larga escala do patrimônio de pessoas social e economicamente vulneráveis com base em lei que não o autoriza.

A retenção indevida de IRPF sobre as parcelas de BPC pagas acumuladamente e em atraso pelo INSS ocorre quando os pagamentos correspondem a meses em aberto de determinado ano-calendário.

Mesmo assim, em tais casos a Administração Federal segue realizando a retenção do tributo no mês do pagamento, aplicando-o sobre o montante total das parcelas cumuladas, mesmo ciente de que o tributo não é devido pelos titulares do benefício assistencial.

Ao se pronunciarem na ação coletiva, o INSS e a Receita Federal se explicaram laconicamente e insistiram na legalidade daquela retenção em relação aos beneficiários de BPC que o receberam de forma cumulativa com outro benefício previdenciário.

Aparentemente há falha interna no funcionamento dos sistemas do INSS, que deveria se adequar a diferenciar pagamentos de atrasados de prestações não sujeitas a tributação.

O caso foi observado em Sergipe, mas como o Instituto tem atuação nacional este mesmo problema pode, e deve, se repetir em outras cidades.

Na verdade, a prática do INSS de descontar imposto de renda mínima é antiga. E não se resume só a benefício assistencial, mas também com benefícios previdenciários, a exemplo de aposentadoria, pensão, auxílios etc.

Não foi à toa que o STJ (Superior Tribunal de Justiça) criou o Tema 351, segundo o qual define que o "Imposto de Renda incidente sobre os benefícios previdenciários atrasados pagos acumuladamente deve ser calculado de acordo com as tabelas e alíquotas vigentes à época em que os valores deveriam ter sido adimplidos, observando a renda auferida mês a mês pelo segurado, não sendo legítima a cobrança de IR com parâmetro no montante global pago extemporaneamente".

STF (Supremo Tribunal Federal), ao editar o Tema 368, também fixou o entendimento de que o INSS –ao fazer a retenção do imposto de renda– deve levar em conta o valor mensal recebido e não se aquele pagamento feito em atraso representa um valor alto.

Vejamos a posição do Supremo sobre o assunto: "o Imposto de Renda incidente sobre verbas recebidas acumuladamente deve observar o regime de competência, aplicável a alíquota correspondente ao valor recebido mês a mês, e não a relativa ao total satisfeito de uma única vez".

Portanto, apesar de o MPF ter constatado este erro em Sergipe nos casos de benefício assistencial, trata-se de velho hábito do INSS, tendo em vista que os respectivos casos do STJ e do STF foram iniciados desde 2010 a partir de discussões análogas ao que vem ocorrendo hoje.

Após todos esses anos, o INSS não aprendeu que deve levar em conta o valor mensal da renda para fins de isenção de IR, e não o fato desta mesma renda, ao ser paga em atraso e de forma acumulada, gere uma soma alta.

Este erro de incidir o desconto de imposto sobre a soma de valores pagos em atraso, por sua vez, se relaciona a outros problemas históricos do INSS.

Não é novidade que a autarquia vem enfrentando problemas internos e administrativos em prestar um melhor atendimento à população. 

A população brasileira, em especial nos últimos anos, vem enfrentando longa espera pela análise de requerimentos de benefícios pelo INSS.

Além da demora, há também o problema de negativas em excesso, acarretando litigiosidade exacerbada do Instituto. Esses aspectos terminam favorecendo a demora de o INSS pagar a quem deve.

Não bastasse a demora habitual, agora o INSS tem retirado indevidamente uma fatia dos valores devidos em atraso para retenção de imposto de renda. 

Aquele que justamente deveria ter a proteção do Estado tem sofrido em dobro. Tanto na demora em receber o benefício, como em ter o tributo descontado ilegalmente.

RÔMULO SARAIVA - advogado especialista em Previdência Social, é professor, autor do livro Fraude nos Fundos de Pensão e mestre em Direito Previdenciário pela PUC-SP.

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