Projeto quer proibir pornô na web


Em 2016, o Brasil foi classificado pelo relatório da organização Freedom House como apenas "parcialmente livre" em termos de liberdade de imprensa. A entidade –que mede todos os anos o índice de liberdade de expressão em cada país– criticou especialmente a onda de bloqueios à internet ocorridos no país em 2016.

A depender de vários projetos de lei em trâmite no Congresso, a mania de bloquear a rede deve se ampliar. A safra mais recente dessas propostas consiste no projeto de lei 6.449/2016, de autoria do deputado Marcelo Aguiar (DEM-SP). Seu objetivo é tão singelo quanto complexo. O projeto quer obrigar "as empresas que disponibilizam acesso à rede mundial de computadores" a filtrar "todos os conteúdos de sexo virtual, prostituição e sites pornográficos".

Em outras palavras, é um projeto que proíbe a pornografia e o "sexo virtual" no país, autorizando os provedores a filtrar esse tipo de conteúdo diretamente na infraestrutura da internet. A exposição de motivos do projeto justifica a proposição da seguinte forma: "Estudos atualizados informam um aumento no número de viciados em conteúdo pornô e na masturbação devido ao fácil acesso pela internet e à privacidade que celular e o tablet proporcionam".

Curiosamente, o projeto guarda uma conexão com outro país que bloqueia conteúdos pornográficos na infraestrutura da rede: a Arábia Saudita. Quem tenta acessar conteúdos pornográficos naquele país depara-se com uma mensagem que lista em primeiro lugar um trecho do Corão como justificativa e logo a seguir cita "estudos científicos modernos" como razão para o bloqueio.

São ao menos dois problemas graves dessa proposta. O primeiro é confundir conteúdo nocivo com conteúdo ilícito. Um elemento essencial da liberdade de expressão é que muitos conteúdos considerados ofensivos para determinados grupos devem permanecer lícitos.

Essa regra básica de tolerância é chave de abóbada da democracia. O outro erro é insistir em implantar no Brasil a prática do bloqueio à internet. Tal iniciativa é típica de países autoritários, leva à censura e gera efeitos colaterais desnecessários e desproporcionais. Vale notar que há vários mecanismos de proteção para crianças e adolescentes contra conteúdo impróprio, que não afetam a integridade da rede.

Infelizmente, o PL 6.449 não está sozinho. Tramita com ele uma série de outros projetos que visam bloquear ou censurar a rede no Brasil. Um deles quer criar um "cadastro" prévio para o acesso à internet no Brasil. Outro dá carta branca para bloquear a internet no caso de qualquer crime com pena de dois anos ou mais.

Isso leva à pergunta: por que tanta energia legislativa não pode ser direcionada a construir uma agenda positiva para a rede, capaz de gerar empregos e desenvolvimento? O país tem desafios muito mais sérios do que legalizar bloqueios ou combater a masturbação.

Ronaldo Lemos - advogado, diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro (ITSrio.org). Mestre em direito por Harvard. Pesquisador e representante do MIT Media Lab no Brasil

Fonte: coluna jornal FSP

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