Idosos vão trabalhar mais tempo em mundo com 8 bilhões e maior desigualdade


Idosos vão trabalhar mais tempo em mundo com 8 bilhões e maior desigualdade

Com aumento da longevidade, futuro demandará escolha entre ter menos dinheiro ou trabalhar mais alguns anos.

Em um planeta que chega a 8 bilhões de habitantes, a evolução demográfica global e as transformações do mercado de trabalho apontam para uma tendência: pessoas mais velhas tendo que se aposentar cada vez mais tarde em um mundo mais desigual na comparação entre países.

Nas próximas décadas, haverá expressivo aumento do número de idosos nos países ricos e de renda média alta. Ao mesmo tempo, a taxa de crescimento populacional nessas nações vai desacelerar rapidamente.

Isso implicará uma mudança crucial da chamada razão de dependência. Ela indica quantas crianças e adolescentes menores de 15 anos e adultos acima de 60 dependerão de pessoas em idade ativa (entre 15 e 60 anos, aproximadamente) para manter, por exemplo, a atividade econômica e a arrecadação de impostos para programas sociais, educação e saúde públicas e Previdência.

A diminuição no ritmo de crescimento populacional global, no entanto, não será homogênea. Países africanos e do Sudeste Asiático, hoje relativamente mais pobres, continuarão aumentando a população em um mercado de trabalho global cada vez mais sofisticado, o que poderá deixá-los para trás, comparativamente, em termos de renda.

O resultado desses dois movimentos (razão de dependência maior nos países ricos ou de renda média alta e aumento da população nos de renda baixa ou média baixa) é o que tende a levar idosos a trabalhar por mais tempo e ao aumento da desigualdade de renda entre nações pobres e ricas.

Segundo especialistas, não será necessariamente negativo que os mais velhos trabalhem mais. 

Isso poderá ocorrer naturalmente à medida que a longevidade também cresce, levando idosos a quererem permanecer ativos e produzindo para preservar o padrão de vida —o que contribuiria para a economia.

Já nos países de renda baixa e média baixa, cuja população crescerá mais do que nos de renda alta ou média alta —ampliando a concentração de renda global—, o desafio será incorporá-los a um mercado de trabalho cada vez mais educado e de conhecimentos específicos.

Nos Estados Unidos, a AARP, entidade privada que estuda questões relacionadas a pessoas acima de 50 anos, estima que aqueles que começam a gastar recursos de suas aposentadorias aos 62 anos, em vez de esperarem os 67, acabarão diminuindo seus benefícios em 30% até o fim da vida.

Se, por um lado, o dinheiro ficará mais curto para os que optarem por se aposentar mais cedo, a vida se tornará mais longa. 

Será uma questão de escolha entre ter menos dinheiro no futuro ou trabalhar por mais alguns anos.

O desafio é que, segundo a AARP, três quartos dos idosos que procuram trabalho hoje dizem se deparar com dificuldades. 

Nesse contexto, o preconceito e os estereótipos associados à idade terão de ser revistos. Para Bruno Ottoni, pesquisador da consultoria iDados e da FGV-Ibre, o combate ao etarismo deverá ser estimulado por empresas, que precisarão de mão de obra educada, e por políticas públicas, para requalificar profissionais seguindo a demanda do mercado.

"O fato de o futuro indicar que haverá mais idosos hoje menos qualificados para as novas necessidades colocará pressão sobre gastos sociais e Previdência, com custos para os governos", diz. "O Estado terá de fazer algo a respeito, via requalificação."

Nas economias de renda baixa ou média baixa, em que a população continuará aumentando em relação às mais ricas, Ottoni cita o desafio adicional do "reshoring"

É um movimento inverso ao "offshoring", em que companhias empregavam mão de obra mais barata fora de suas fronteiras. 

Agora, elas internalizam a produção diante de ganhos com automação e aumentos de produtividade interna.

Para Fernando de Holanda Barbosa, professor da Escola Brasileira de Economia e Finanças da FGV, a requalificação de mão de obra mais velha poderá ganhar espaço nos orçamentos públicos quando houver diminuição no total de crianças e jovens, reduzindo a necessidade de recursos para a educação básica.

"Mas as mudanças em curso demandarão novos tipos de treinamento em todas as idades, já que muitas atividades serão desempenhadas automaticamente. 

Crescerá, por exemplo, a demanda por profissionais de pós-venda e acompanhamento de comercialização de bens e serviços online", afirma Barbosa.

Estudo da OCDE (entidade que reúne 38 países e da qual o Brasil não participa) estima que cerca de 10% dos empregos nos EUA —e 12% no Reino Unido— poderão ser eliminados nos próximos anos por processos envolvendo inteligência artificial combinada à automação.

Haveria, porém, setores muito promissores para os mais jovens que hoje entram no mercado. 

Em áreas mais qualificadas, como tecnologia da informação, ou em cuidados pessoais e saúde, sobretudo na enfermagem. 

Para Marcos Hecksher, professor da Escola Nacional de Ciências Estatísticas do IBGE, a demanda brasileira por esse tipo de atividade, difícil de ser automatizada, tende a beneficiar mais as mulheres, que têm hoje maior nível educacional que os homens.

Um dos desafios para o Brasil, segundo Gabriel Ulyssea, professor associado da University College London, é que o país nem sequer conseguiu atacar ainda a questão da carência de ensino técnico e de formação profissional —fundamentais para o mercado de trabalho do futuro.

 Segundo a OCDE, apenas 8% dos jovens brasileiros concluem esse tipo de curso, ante 40% na média dos 38 países do grupo.

Ulyssea afirma que, em alguns anos, o mercado de trabalho também deverá contar cada vez mais com plataformas que produzam "match" entre mão de obra disponível e demanda por serviços —à medida que as relações de trabalho tenderão a ficar cada vez mais informais.

FERNANDO CANZIAN – jornalista FSP

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