Sim, eu tenho necessidades especiais!
Ah,
que coisa maravilhosa poder reconhecer isso.
Eu gosto de brincar dizendo que adultos autistas
como eu precisam de supervisão adulta, mas é ótimo quando a gente se lembra de
levar a brincadeira a sério.
Um problema particular do autismo é que faz parte da constelação de
características a falta de autoconsciência sobre o próprio estado emocional: os
outros notam antes da gente que estamos incomodados ou preocupados com alguma
coisa.
Daí ser tão comum a gente só notar que precisava muito de ajuda quando a
ajuda já aconteceu –ou quando a coisa fica feia e a gente finalmente joga a
toalha.
Isso fui eu no aeroporto, dias atrás.
Há tempos que o tanto que
eu viajo a trabalho me rende embarque preferencial, ainda assim, depois das
necessidades especiais das crianças, dos idosos, dos militares e dos
ultrassuper VIPs —então o problema que eu não sabia que tinha já estava
semirresolvido.
Mas, dessa vez, eu estava entretida experimentando usar o cordão
verde de girassóis, que sinaliza dificuldades invisíveis —que eu havia
finalmente tirado da bolsa e pendurado no pescoço, uma hora antes—, quando
notei (sem supervisão adulta, viva!) que o trem cheio estava me dando arrepios
(literalmente).
Usar o cordão pela primeira vez teve um efeito curioso: não sei
se os outros ao redor sabem do que se trata, mas eu sei e me senti
imediatamente melhor por estar fazendo alguma coisa por mim mesma.
Ter controle
é maravilhoso, mas a sensação de controle é o que realmente importa.
De cordão de girassóis no pescoço (e o meu é
lindinho, com um girassol dependurado; me recuso a usar o crachá que alguns
sugerem), me dei conta de que eu tinha subitamente mudado de categoria.
Não era mais a
neurocientista-fodona-porém-desnorteada (adoro o paradoxo!) tentando funcionar
num mundo barulhento e conturbado que nem criança que põe os dedos nos ouvidos,
aperta os olhos e canta lá-lá-lá quando os adultos começam a gritar (aliás,
minha nova imagem para explicar o que é stimming).
Agora eu era uma pessoa que
reconhecia que tinha dificuldades particulares e necessidades especiais, que
vêm com elas.
Então fiz o que nunca tinha me ocorrido fazer:
fiquei de pé na boca do portão de embarque e, assim que chamaram os passageiros
com necessidades especiais para embarcar primeiro, fui com convicção e um
sorriso no rosto.
Não sei se os agentes reconheceram o cordão, mas não
hesitaram em me dar as boas-vindas.
E, uma vez no avião..., ah, que maravilha. Só assim
me dei conta da diferença que faz não tentar negociar 13 coisas ao mesmo tempo,
o que os outros fazem tão facilmente: achar a poltrona, guardar passaporte e
decidir que bolsa colocar em tal lugar, tudo isso sem dar cotovelada sem querer
nas pessoas que tentam passar ou atrapalhar quem eu não notei que estava
tentando fazer alguma coisa.
Era eu e um avião vazio. Deixa eu dizer de novo,
porque até me emociona: vazio.
Sentei, abri o joguinho da vez no telefone, e
pronto. Sou criança entretida, não atrapalho ninguém.
Segue o embarque, por
favor. A neurocientista autista agradece!
SUZANA HERCULANA-HOUZEL - Bióloga e neurocientista da Universidade Vanderbilt (EUA).