Pais potentes lidando com o impossível


"Saber onde estão os nossos limites como pais é condição para sermos potentes nessa função"

Quem passou o fim de ano na praia deve ter visto bebês que mal sabem andar seguirem hipnotizados pelo movimento do mar, como tartaruguinhas recém-nascidas. Deve ter visto também pais (pais/mães) se revezando incansáveis de olho nos pequenos. Confesso que poder ler, caminhar e conversar na praia é um alívio que só quem já tem filhos grandes pode apreciar totalmente. Ver os pais na lida com seus filhos pequenos me encanta tanto mais quando não sou eu que tenho que ficar o tempo todo na função. Já fiz essa parte. Então, desobrigada de olhar crianças, penso nos filhos crescidos e nas funções que me restam e que não são poucas, embora impliquem outros malabarismos.

Entendo que pais de jovens tenham que abster-se, ao mesmo tempo em que deixam o caminho livre para o diálogo com eles. Distância difícil de precisar, que implica estar ao alcance dos filhos, ao mesmo tempo que deixemos que façam suas escolhas e assumam as consequências dessas escolhas. Ditar regras, nessa altura do campeonato, pode sair pela culatra.

Os jovens querem provar que não são como seus pais e continuar ditando regras pode servir para os filhos como manual do que não fazer. Se os pais querem um filho médico, por exemplo, ele poderá prestar vestibular para medicina para agradá-los ou não prestar para desagradá-los. São desejos alienados ao desejo dos pais (fazer ou não fazer o que os adultos supostamente querem). A separação e o desejo singular aparecem quando a escolha deixa de se referida ao outro. Escolho ou não medicina, independentemente do que esperam de mim.

As regras de boa convivência entre pessoas que dividem espaço e orçamento comum ainda valem, é claro. Os filhos têm demorado a sair de casa e cada família terá que assumir os efeitos de suas escolhas. Se você quer (e pode?!) oferecer a seu filho um "flat" dentro de casa (suíte, TV, frigobar, serviço de limpeza, supermercado, lavanderia e trânsito livre para visitas íntimas), fica difícil imaginar que ele fique ávido por encarar a realidade que um salário de iniciante pode bancar (casa compartilhada, longe do centro, sem serviços). Para que estudar e trabalhar de 20 a 30 anos para chegar aonde já se está de saída? Quando eles percebem o caráter imobilizante dessa sedução familiar, costuma ser tarde demais.

A difícil e libertadora realidade é que já deixamos em nossos filhos as marcas de nossa aposta em sua formação. Não as marcas que escrupulosamente gostaríamos de ter deixado, mas aquelas que desconhecemos e insistimos em negar –marcas de nossa ambivalência, de nossas fantasias e também de nosso amor.

Freud dizia que as três tarefas impossíveis são governar, educar e psicanalisar. Embora sigamos tentando, são impossíveis porque esbarram na singularidade do governado, do aluno e do paciente, que fará o que quiser/puder com nossas pífias intenções de exercer um poder. Além disso, pouco sabemos sobre nossas reais intenções, na maioria inconscientes, e tampouco temos garantia sobre os resultados.

Resta-nos assumir os limites de nossa função parental, que esbarra em algo da ordem do impossível. A boa notícia é que ao assumir o impossível, podemos encontrar nossa real potência como pais e ajudar nossos filhos a encontrarem a sua.

Vera Iaconelli - psicanalista, fala sobre relações entre pais e filhos, as mudanças de costumes e as novas famílias do século 21.

Fonte: coluna jornal FSP

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