Sim, ainda vou ao banco
Entre outras
coisas, a fim de tirar dinheiro para pagar a bic no camelô ou o mate na praia
Queixei-me outro dia ["Conheça a desextinção",
4/11] dos bancários que atendem com impaciência aos clientes, como se estes
fossem obrigados a dominar o complexo de senhas, tokens e códigos hoje exigidos
pelos bancos para as mais reles operações.
Se a dificuldade do cliente
referir-se à máquina que não reconhece o seu dedo —embora seja o mesmo dedo que
você imprimiu ontem num apetrecho do próprio banco e na presença de um
funcionário—, o diagnóstico na cara do bancário é o de que você já está extinto
e não demorará a ser recolhido.
Não ocorre a ele que é o próximo na linha de
extinção e só terá emprego enquanto você existir.
Ao escrever aquilo, julguei que receberia maciça
solidariedade dos leitores. Um deles, no entanto, escreveu: "Mas você
ainda vai ao banco???". A resposta é sim.
Vou ao banco porque
ainda uso dinheiro para pagar pequenas despesas, como bics no camelô, mate na
praia ou empadinhas no botequim. Um jornaleiro me disse outro dia que um
cliente lhe comprou meia dúzia de balas – R$ 3 à vista— e pagou com pix.
Como
não uso celular, não posso pagar com pix e, enquanto o dinheiro não for
proibido, pretendo continuar a prestigiá-lo –lembra-se de quando era difícil
ganhá-lo?
Também há pouco, ao passar para alguém meu email,
que termina com terra.com.br, o fulano levou um susto: "Mas você ainda usa
o terra???".
Além do fato de que não só ainda uso o terra como continuo a
morar no planeta Terra, achei cansativo explicar-lhe que trocar o terra pelo
gmail apenas por este ser de graça não compensaria a chatice de informar a não
sei quantos sobre a mudança.
Além disso, o gmail logo estará tão arcaico quanto
o terra, já que cada vez menos pessoas usam email.
Sei disso porque muitos emails que envio só são
abertos pelo destinatário uma semana depois, quando o assunto já se resolveu
sozinho ou ficou superado.
E esse é o problema da tecnologia: supera suas supernovidades logo
que elas entram em uso, para nos obrigar a comprar as novas supernovidades.
Como não me interesso por elas, uso o dinheiro para
comprar bics no camelô, mate na praia e empadinhas no botequim.
RUY CASTRO – jornalista e
escritor, autor das biografias de Carmen Miranda, Garrincha e Nelson Rodrigues,
é membro da Academia Brasileira de Letras.