Estudo mostra que córtex
pré-frontal humano possui maior número absoluto de neurônios entre primatas
|
Meus alunos da medicina na UFRJ ficavam exasperados
quando algo que um professor dizia contradizia os livros didáticos. "Em
quem a gente acredita?" Eu lhes orientava a procurar a informação mais
recente –e a pensarem por conta própria. "Que bom que os livros ficam
ultrapassados", eu lhes dizia. É sinal que a ciência continua gerando
conhecimento e atingindo pontos críticos em que é preciso repensar o que se
achava que sabia.
Um dos conceitos a repensar é o da expansão do
córtex pré-frontal humano em relação a todo o restante do córtex cerebral,
suposta protagonista da evolução humana. "Nosso córtex pré-frontal é
proporcionalmente o maior de todos", diziam os livros. Os dados, contudo,
eram escassos. O neurologista alemão Korbinian Brodmann estimou em 1909 que o
córtex frontal, com funções motoras e associativas, ocuparia 36% do córtex
humano, apenas 30% no chimpanzé e 21% no macaco gibão. Vendo assim, nosso
córtex pré-frontal (somente a parte associativa do córtex frontal) parecia
desproporcionalmente grande.
Os números valeram por 93 anos, até a
neurocientista Katerina Semendeferi, usando a nova tecnologia da imagem por
ressonância magnética, refazer as medições –e descobrir que humanos,
chimpanzés, gorilas e orangotangos compartilham um córtex frontal que ocupa
algo entre 35 e 37% do córtex cerebral. O achado inspirou uma nova leva de
análises por outros pesquisadores, alguns dos quais continuaram defendendo com
unhas e dentes a tese de que o córtex pré-frontal humano era maior do que o
esperado –embora por muitíssimo pouco, e dependendo do método usado para fazer
a análise.
Já sabemos que tamanho não é documento quando se
trata de córtex (o do elefante, enorme, tem apenas um terço do número de
neurônios do nosso), resolvemos investigar diretamente o número de neurônios
pré-frontais em humanos e outros primatas. O trabalho da minha então aluna de
doutorado, Mariana Gabi, que acaba de ser publicado na revista
"PNAS", apoia a conclusão de Semendeferi, e vai além.
Nosso córtex pré-frontal não tem um número desproporcional
de neurônios corticais –mas tem, sim, o maior número absoluto de neurônios
entre primatas, e provavelmente outros bichos também. Acho que é hora de
modificar os livros didáticos mais uma vez...
Suzana Herculano-Houzel - neurocientista treinada nos Estados Unidos,
França e Alemanha.
Fonte: www.suzanaherculanohouzel.com