Avanço
pode mudar radicalmente várias atividades humanas.
Em 1966, um professor do MIT (Instituto de Tecnologia de
Masschussetts) criou um programa capaz de conversar por texto, chamado Eliza.
Ele dava a impressão de entender o que as pessoas teclavam. Muita gente
apegou-se emocionalmente a ele (o chamado “efeito Eliza”). Seu truque era
devolver para o usuário, com algumas modificações, aquilo que ele mesmo dizia.
Corte para 2020. Acaba de surgir um dos avanços
espantosos na história da inteligência artificial. Seu nome é GPT-3
(Transformador Generativo Pré-Treinado 3). Ele é capaz de entender qualquer
frase e informação, autocompletar, responder e criar padrões como se fosse um
ser humano. Diferente do Eliza, suas capacidades atuais são de fazer o orifício
lombar inferior cair das nádegas.
Esse avanço pode mudar radicalmente várias atividades humanas.
Uma forma simplificada de entender é pensar no GPT-3 como o mais poderoso
autocompletar já construído. O sistema foi treinado com um conjunto gigantesco
de dados e por isso consegue resolver problemas de forma tão chocante.
Empresas dizem que interação com clientes em canais de
atendimento robotizados cresceu de 150% a 200% -
Por exemplo, consegue escrever ensaios inteiros
coerentes e bem-articulados sobre temas complexos. Mais do que isso, pode
escrever encarnando personalidades famosas (como Jane Austen dissertaria hoje
sobre blockchain? O que Harry Potter tem a dizer
sobre a queda do PIB dos EUA?). Em problemas similares o GPT-3
vem impressionando.
Mais do que isso, o GPT-3 é capaz de gerar tablaturas
musicais com base em pouquíssimos parâmetros (exemplo: escreva uma música de
guitarra chamada Noites Tórridas de Verão, com nome artístico de Banda Beijo).
Com poucas informações insólitas coma essas tablaturas surgem, prontas
execução.
Consegue também desenhar, completar figuras em
sequência, preencher tabelas inteiras de Excel e programar. Exemplos: desenhe
um triângulo azul (ele surge); preencha um Excel com empresas de tecnologia por
tamanho de faturamento (planilha surge); crie um programa que gera um botão
vermelho com para o meu aplicativo (código de programação surge). Para nós
advogados há muitas aplicações.
Para criar uma petição, basta dizer qual é a causa e o
GPT-3 redige todo o texto, já com citações da lei e de decisões apoiando o
caso.
O GPT-3 é obra da Open AI, organização que era sem fins
lucrativos e agora virou empresa comercial. A Open AI oferece acesso ao sistema
(API) para entidades parceiras desenvolveram novas aplicações, mediante
pagamento. Há inúmeros problemas também: discriminação e preconceitos
vergonhosos, respostas erradas, questões étnicas incontornáveis. E o problema
central: saber se a resposta do GPT-3 está certa. Ele pode gerar respostas
incríveis e bem-redigidas, totalmente erradas.
Qual o impacto para o Brasil? Em princípio,
desigualdade. Na língua portuguesa não existem repositórios vastos e tão
organizados como em inglês para treinar uma aplicação assim. Em outras
palavras, não vai funcionar bem para quem falar português. Essa, aliás, deveria
ser uma missão nacional.
Criar um plano nacional de Inteligência Artificial e
começar o longo esforço de reunir e disponibilizar bases de dados nacionais que
permitam brasileiros treinar IA's legitimamente locais (incluindo arquivos
públicos, transcrição de debates do legislativo, do poder judiciário, do
executivo etc.), como fizeram outros países (várias ferramentas de IA foram
treinadas com as transcrições do Parlamento Euoropeu). Esse seria um bom
começo. De outro modo, permaneceremos consumidores e não criadores de inovações
assim. A nós caberia só o espanto. Aos outros causá-lo e vende-lo.
Ronaldo Lemos - advogado, diretor do Instituto de Tecnologia e
Sociedade do Rio de Janeiro.
Fonte: jornal FSP