Estados e municípios copiam um
mesmo modelo, e é raro haver experimentação.
Há
poucos dias tive uma conversa pública com Paul Romer, economista que ganhou o Prêmio Nobel,
quando ele visitou São Paulo para o evento do Movimento Brasil Digital. Ele
defende a criação de “charter cities”, isto é, cidades que possam ser
organizadas por meio de um conjunto de regras próprias (“chart”), que são
independentes das regras que são adotadas no país.
Essas
cidades seriam territórios de experimentação, permitindo testar modelos que
podem dar certo ou não. Os que dão certo são disseminados. Os que dão errado,
descontinuados.
Para
um país que anda devagar, como o Brasil, essas ideias podem soar utópicas. Mas
Romer sabe que não são. Ele passou um bom tempo na China estudando a
concretização prática desse modelo.
Apesar
de não usar o nome de “charter city”, a China tem hoje cidades como Shenzhen ou
Chongqing que são exatamente isto: municípios com um conjunto de regras
autônomas voltadas à promoção da inovação.
Visitante olha maquete na exposição "China Marine
Economy", realizada na cidade chinesa Shenzhen, em outubro deste ano, que
reuniu mais de 450 empresas que mostraram avanços daquele país na economia
marinha -
O
resultado é palpável. Mais de 70% dos celulares do planeta são hoje fabricados
ou projetados em Shenzhen, lugar que há 30 anos era pouco mais que uma vila de
pescadores. Chongqin, por sua vez, se tornou uma potência em indústria química
e tecnologia, reunindo hoje 32 milhões de habitantes.
Na
sua busca por inovações urbanas, Romer foi parar no festival hippie-tecnológico Burning Man, que acontece anualmente no deserto de
Nevada, nos Estados Unidos. A característica do festival é erguer no meio do
deserto, do nada, uma cidade com 70 mil pessoas, que funciona por uma semana.
Depois disso, tudo é desmontado e nenhum vestígio é deixado.
Romer
notou que, no início, esse era um esforço anárquico, sem regras. No entanto,
conforme a população do Burning Man foi crescendo, um conjunto mutante de
regras foi surgindo. Esse modelo de regras em constante evolução pode servir de
exemplo para outras cidades (e países).
Tudo
isso mostra a importância do design institucional: criar instituições capazes
de se adaptar à complexidade do mundo de hoje. O Brasil, enquanto sistema
federalista, poderia ser um mestre nessa capacidade. Só que usamos mal nosso
federalismo. Estados e municípios basicamente copiam um mesmo modelo, e
raramente há alguma experimentação.
Um
bom exemplo é a questão da regulamentação da maconha. Nos Estados Unidos, a
estrutura federalista foi usada para avançar o tema. Foi o Colorado que teve a
ousadia de ser pioneiro na liberação. Deu certo. Hoje, 33 estados nos EUA
legalizam o uso de alguma forma.
Já
no Brasil temos uma aberração. A Anvisa autorizou a maconha medicinal, mas proibiu o cultivo
local. A consequência é insólita: o Brasil vai importar maconha de onde?
Justamente dos EUA.
Perguntei
a Paul Romer se ele concorda com a frase dita por um amigo de que “ninguém
ganha um Prêmio Nobel fazendo aquilo que alguém manda você fazer”. Ele
concordou. O mesmo princípio vale para o federalismo no Brasil. Copiar
exatamente a mesma estrutura do que todos os outros estão fazendo tem o efeito
de levar todo o mundo para o mesmo lugar.
O
federalismo pode fazer melhor. Se bem usado e ousado, pode ser uma poderosa
plataforma de inovação.
Ronaldo Lemos - advogado, diretor do Instituto de Tecnologia e
Sociedade do Rio de Janeiro.
Fonte:
coluna jornal FSP