A senhora que tomava chá
Encontro
na Universidade de Cambridge revolucionou o modo de fazer ciência experimental.
Numa bela tarde de verão, nos anos 1920, alguns professores da
Universidade de Cambridge e convidados se reúnem para um chá no jardim.
Entre
eles, o estatístico Ronald Fischer (1890–1962) e a botânica Muriel Bristol
(1888–1950), ambos ligados ao centro Rothamsted de pesquisas agrárias.
Fischer oferece a Bristol uma xícara de chá com leite, mas ela
recusa, dizendo que prefere quando o leite é colocado na xícara antes do chá, e
não o contrário.
A discussão se acende em volta da mesa: os cavalheiros
protestam que não há como a ordem dos ingredientes afetar o sabor da bebida,
mas a dama mantém a sua posição.
"Vamos testá-la!", sugere uma voz: é William Roach,
futuro marido de Bristol.
Fischer e Roach preparam então oito xícaras e as dão
sucessivamente a provar a Bristol, para que adivinhe, em caso caso, em que
ordem o chá e o leite foram adicionados.
As respostas são anotadas
cuidadosamente.
O episódio é narrado por Fischer no seu livro "O desenho de
experimentos", publicado em 1935, em que lançou as bases da teoria dos
testes estatísticos.
Nele, Fischer explica como conceber e realizar
experimentos para testar estatisticamente a validade de uma dada afirmação,
neste caso, a tese de que o sabor depende da ordem da mistura.
Quantas xícaras deveriam ser usadas no teste? Deveriam ser
apresentadas separadamente ou em duplas? Em que ordem? O que fazer a respeito
de variações de temperatura ou na quantidade de açúcar? Como interpretar os
resultados?
Fischer sabia que a relevância dessas questões ia muito além de uma
brincadeira de verão.
A discussão também inspirou o título do livro "Uma Senhora
Toma Chá…", em que David Salsburg explica como as conclusões de Fischer, e
outros que vieram depois, revolucionaram o modo de fazer ciência experimental
e, em particular, fizeram de Rothamsted um dos mais renomados centros mundiais
na pesquisa agrícola científica.
Fischer não comenta quantas das oito respostas Bristol acertou,
mas Salsburg conseguiu a informação com outro participante da discussão, o
estatístico Fairfield Smith: ela acertou todas!
A probabilidade de isso
acontecer por acaso seria de apenas 1 em 70, ou seja, cerca de 1,4%.
Fischer
apenas debate a conveniência de fazer mais testes, mas Roach não tem dúvida de
que a sua amada "adivinhou corretamente mais do que suficiente para provar
a sua tese".
Muriel Bristol estudou botânica na universidade de Birmingham, e
trabalhou em Rothamsted entre 1918 e 1928, pesquisando o modo como as algas
absorvem os ingredientes de que necessitam.
Ela e Roach se casaram em 1923.
Faleceu de câncer ovariano em 1950.
MARCELO
VIANA - diretor-geral
do Instituto de Matemática Pura e Aplicada, ganhador do Prêmio Louis D., do
Institut de France.