Como
vencer a guerra contra os psicopatas genocidas
Pequeno manual de sobrevivência em tempos de
barbárie.
Nas raras noites
em que consigo dormir, tenho pesadelos em que estou me afogando em uma onda
gigantesca de psicopatas genocidas. Acordo apavorada, pois o exército do mal
está vencendo a guerra.
Em uma noite de insônia, comecei a escrever um manual com o que eu aprendi de
mais importante para sobreviver à tragédia brasileira.
Primeira
lição: encontrar o meu projeto de vida.
Viktor Frankl me ensinou que ninguém pode destruir a liberdade de escolher a
atitude que podemos ter frente ao sofrimento inevitável.
O meu projeto de vida
é construir uma bela velhice para todos os brasileiros: os velhos de hoje e os
velhos de amanhã. Fora velhofobia!
Segunda lição: respeitar os
meus limites físicos e psicológicos. Já fiquei doente por querer fazer mais do
que seria humanamente possível. Aprendi que só tenho um barquinho pequeno
para atravessar essa catástrofe.
Cada coisa que escolho colocar dentro dele implica
deixar de fora tudo o que não é essencial para a minha sobrevivência.
Terceira
lição: parar de querer solucionar o que
não tem solução. Aprendi a controlar a minha ansiedade excessiva, a sensação de impotência
e a vontade de resolver os problemas de todos, repetindo como um mantra:
"Concedei-me, Senhor, a serenidade necessária para aceitar as coisas que
não posso mudar, coragem para mudar aquelas que posso e sabedoria para
distinguir umas das outras".
Quarta
lição: fazer a faxina existencial. Além de
doar roupas, sapatos, livros, e ficar só com o mínimo que preciso para viver,
deletei da minha vida (quase) tudo que me faz mal. Para o meu barquinho não
afundar, me afastei dos parasitas e vampiros emocionais, que só sugavam o meu
tempo, energia e saúde.
Quinta
lição: buscar o equilíbrio emocional. Já
tive crises de ansiedade só de ver cenas dos assassinos asquerosos provocando
aglomerações, boicotando o uso de máscaras e sabotando a vacinação.
Apesar de
ser cinéfila e viciada em notícias, parei de ver telejornais, filmes e
programas que me dão vontade de vomitar. Descobri que adquiri uma nova
síndrome: a intolerância ao mal.
Sexta
lição: ter a coragem de dizer não. No
momento em que encontrei o meu projeto de vida, passei a dizer não para tudo o
que não é prioritário. Foi uma verdadeira libertação: aprender a dizer não sem
culpa.
Sétima
lição: ser a dona do meu tempo. O tempo é
o meu bem mais precioso e não pode ser desperdiçado com bobagens, reclamações e
brigas. Aprendi a "arte de escutar bonito" com os meus amigos
nonagenários.
Não me esqueço de dizer a eles, todos os dias: "Eu te amo.
Você é muito importante para mim. Estou juntinho de você, um dia de cada vez,
com tudo o que faz bem. Unidos venceremos".
Oitava
lição: tirar o foco da minha dor e cuidar
da dor dos outros. Uma pequena epifania do Caio Fernando de Abreu tem sido o
meu colete salva-vidas: "Um amigo me chamou para cuidar da dor dele.
Guardei a minha no bolso. E fui!".
Nona
lição: continuar a lutar. Se os meus
melhores amigos, de quase cem anos, estão lutando com todas as suas forças para
sobreviver, eu não tenho o direito de parar de remar.
Se eles estão enfrentando
essa calamidade com uma coragem admirável, não posso me afogar no pânico, depressão
e desesperança.
Décima
lição: saber que não estou sozinha no meu
sofrimento e desespero. Tenho a certeza de que estou junto de milhões de
mulheres e homens que estão lutando incansavelmente para salvar as vidas dos
brasileiros e evitar a destruição do país.
Unidos pelo mesmo propósito, temos
mais chance de vencer essa guerra insana e derrotar os genocidas. Tamojuntos?
MIRIAN
GOLDENBERG - antropóloga e professora da Universidade Federal do Rio, é autora
de "A Bela Velhice".
Fonte: coluna jornal FSP