Em 1999, um professor da Universidade Harvard,
Lawrence Lessig, um caro amigo, lançou o livro que é considerado pioneiro no
estudo do direito aplicado à internet (chamado "O Código e Outras Leis do
Ciberespaço"). Nele foi cunhada uma famosa frase que diz que "o
código é a lei".
Lessig chamava a atenção para o fato de que
programas de computador ("códigos") são cada vez mais responsáveis
por embutir neles regras que regulam o destino de milhões de pessoas, todos os
dias.
Basta olhar para o sorteio eletrônico do ministro
Edson Fachin como novo relator da Lava Jato no Supremo para ver que Lessig
tinha razão. O caminho para a escolha de qual ministro do STF será responsável
por um processo é definido por um programa de computador que opera com base em
algoritmo. Só que há um problema: ninguém sabe como esse algoritmo funciona.
A função desempenhada por ele pode até ser de uma
simplicidade franciscana, tal como sortear um número aleatório entre 1 e 11. A
expressão em código para isso pode ser tão simples quanto o comando "?
11" em linguagem APL. No entanto, simplicidade não implica auditabilidade.
Também não implica transparência.
Para ter certeza de que o algoritmo do Supremo
funciona como deveria, sem interferências externas, é fundamental que tanto seu
código quanto seu hardware sejam conhecidos, transparentes e auditáveis.
Nada disso acontece hoje. Há, aliás, suspeitas de
que o algoritmo não seja tão simples assim. Ele seria "calibrado", por
exemplo, para distribuir processos de modo a equiparar a carga de trabalho de
cada ministro. Não há informações públicas confirmando ou negando isso. Também
não se sabe em que termos essa suposta calibragem aconteceria.
Uma vez mais, falta transparência e auditabilidade
para conhecer o funcionamento desse sistema tão importante para o país. De quem
foi comprado? Quem é responsável por sua manutenção e atualização? São
perguntas que importam.
Note-se que essa preocupação sinaliza um novo
paradigma para a transparência pública. Não é só o algoritmo do Supremo que
precisa conhecer a luz do sol. Toda e qualquer função pública que seja mediada
por "código" precisa atender aos mesmos requisitos.
Por exemplo, o hardware e o código embarcado nas
urnas eletrônicas. Os sistemas de "pregão digital" que controlam
licitações. Os sistemas de distribuição de processos de todos os tribunais do
país. Os painéis de votação eletrônica do Congresso. Todos precisam ser
transparentes, auditáveis, com código e hardware abertos à análise de qualquer
um, inclusive quanto a seus processos de manutenção e atualização.
Em seu livro paradigmático, Lessig apontou que um
dos desafios de embarcar normas em códigos é que eles são escritos em linguagem
que não é compreensível para a maioria das pessoas. Essa opacidade poderia ser
chamariz para a corrupção. Por essa razão, mais do que nunca, é hora de jogar
transparência e inteligência pública sobre os códigos que regem o país.
Ronaldo
Lemos - advogado, diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade do
Rio de Janeiro (ITSrio.org). Mestre em direito por Harvard. Pesquisador e
representante do MIT Media Lab no Brasil.