Política usa redes sociais para alimentar neuroses


Em 2013, um pesquisador da Universidade de Cambridge chamado Michal Kosinski escreveu um estudo seminal. Ele demonstrou que era possível prever a personalidade de uma pessoa com base nas suas atividades na internet, como "likes" em redes sociais.

Com a análise de 10 likes era possível conhecer uma pessoa melhor do que seus colegas de trabalho. Com 70, melhor que seu melhor amigo. Com 150, melhor que os pais. Com 300, o modelo conseguia prever o comportamento melhor que o marido ou mulher. Com um pouco mais de likes, era possível conhecer a pessoa melhor do que ela mesma.

Kosinski criou então um modelo chamado OCEAN, que divide as personalidades em grandes grupos. Cada letra corresponde a um tipo psicológico. "O" corresponde à abertura para a inovação (Openness). "E", a extroversão (Extroversion). "N" é neurose (Neuroticism), caracterizada por "mudanças bruscas de humor e emoções como culpa, raiva, ansiedade e depressão".

Kosinski foi logo procurado para licenciar seu modelo para empresas especializadas em marketing político. Preocupado com as consequências que o uso do modelo poderia trazer, negou as ofertas.

No entanto, um outro professor de Cambridge, Aleksandr Kogan, pegou o método de Kosinki e reconstruiu do zero seus dados. Para isso, pagou em dinheiro um grande número de pessoas para se submeterem ao questionário do método OCEAN e compartilharem seus dados de redes sociais com sua empresa.

Nascia então a tão falada Cambridge Analytica, à qual muitos atribuem a bem-sucedida campanha de Donald Trump. A empresa alimenta uma gigantesca base de dados capaz de identificar que tipo de mensagem é mais eficaz para cada tipo de personalidade.

Ensina, por exemplo, a falar com neuróticos. A pessoa neurótica é especialmente sensível a mensagens baseadas em sentimentos primários, como medo e ódio. Além disso, desenvolve "visão em túnel", só enxergando o que está imediatamente à sua frente e perdendo a capacidade de analisar contextos. Fica sensível a manchetes bombásticas que mexem com suas emoções, sem se preocupar em checar se aquilo é verdadeiro. Isso cria um círculo vicioso. As mensagens criadas para neuróticos alimentam ainda mais sua neurose.

Esse filme é familiar para nós. A situação política e econômica conjugada com a crise de lideranças gerou níveis sem precedentes de neurose no país. O desafio para qualquer pessoa minimamente ética envolvida em comunicação pública hoje, seja para fins de marketing ou fins políticos, é descobrir como falar com neuróticos sem alimentar ainda mais nossa neurose coletiva.

Um dos caminhos para sairmos do atoleiro é diminuir o "N", propenso à estagnação, e promovermos o "O", propenso a soluções. Temos a tarefa coletiva de quebrar o ciclo de neurose. Precisamos de uma psicoterapia de abrangência nacional.

Ronaldo Lemos – advogado, diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro (ITSrio.org). Mestre em direito por Harvard. Pesquisador e representante do MIT Media Lab no Brasil

Fonte: coluna jornal FSP

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