Um pedaço de carne com manteiga e
uma pequena salada é o prato ideal da dieta cetogênica
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Estou adorando a nova onda de minirreuniões científicas
para tratar exclusivamente do que não sabemos e pensar em quais perguntas
precisam receber prioridade.
Desta vez éramos apenas 20 pessoas, entre cientistas
focados em neurociência, metabolismo e bioquímica, pediatras, neurologistas,
endocrinologistas, um diretor do NIH (Instituto Nacional de Saúde dos EUA, na
sigla em inglês), uma socióloga, mais a presidente e outros dois membros da
fundação privada de fomento à pesquisa que nos convidou a passar dois dias
fechados em uma sala (com breves pausas para comer e admirar a paisagem dos
bosques nos arredores de Manhattan).
O assunto? Como e por que dietas cetogênicas, ou seja,
ricas em gordura e paupérrimas em carboidratos, têm tamanha eficácia no
tratamento de epilepsias variadas e outras doenças, inclusive câncer -e, de
quebra, revertem o ganho de peso que impera ao redor do globo.
Assunto anexo: como lidar com os pediatras e
neurologistas que não conhecem o tratamento alimentar, ou não querem indicá-lo -e
como ajudar pacientes e suas famílias a aderir ao tratamento.
Um dos problemas, na minha visão, é que tantas
"dietas da moda" -da sopa, da fruta, da luz, do Dr. Atkins, do jejum,
do "dia sim dia não", do paleolítico -estendem uma aura de
curandeirismo fanático até mesmo a abordagens nutricionais bem fundamentadas
para questões de saúde.
Tanta promessa de panaceia universal acaba
desacreditando até o que é real. E o fato é que, para muitos pacientes, ainda
que não para
todos (e por razões que gostaríamos de entender), reduzir radicalmente os
carboidratos da dieta resolve ou alivia enormemente vários problemas
neurológicos e o sobrepeso de uma vez só. Como qualquer outra coisa, possui
algumas contraindicações, claro.
Donde minha pergunta, ao final da reunião: dado que a
riqueza da nossa dieta em carboidratos (grãos, farinhas, açúcares e mesmo
frutas) é oriunda sobretudo da agricultura e da industrialização, invenções
recentes da nossa espécie, adotar uma dieta pobre em carboidratos seria não uma
novidade médica, e sim... o retorno a uma dieta "normal"? Por essa
ótica, não é que cortar carboidratos cure ou trate, mas, sim, que tornar a
nossa dieta tão rica em carboidratos foi a fonte do aumento da incidência de
problemas variados.
É uma hipótese que merece e pode ser testada. Não é algo
a fazer levianamente, mas de maneira informada, como qualquer boa decisão. Para
isso servem ciência e cientistas (nutricionistas em particular), e o método
científico de experimentação controlada e observação, que qualquer um pode
usar.
Suzana Herculano-Houzel - neurocientista, professora da UFRJ, autora do livro
"Pílulas de Neurociência para uma Vida Melhor" (ed. Sextante)
Fonte: www.suzanaherculanohouzel.com