O alvoroço em torno dos nomes cotados para compor ministérios e
secretarias importantes é rotina nos períodos que vão do resultado das eleições
até a posse ou, no caso, o início de um segundo mandato.
Especula-se à vontade para alimentar as especulações no cassino
financeiro.
Exige-se urgência em nome do apaziguamento do “mercado”.
Não se indaga sobre as expectativas dos movimentos sociais: é
como se não existissem, não fossem reagir, ou essa reação não tivesse
relevância.
A
turbulência que marcou a reta final da eleição, com a famosa capa da Veja que pretendeu impedir a vitória de
Dilma Rousseff e, mesmo constrangida ao direito de resposta, forneceu
combustível para o início de um movimento pelo impeachment da presidente, faria
prever a adoção de opções conservadoras para apaziguar a oposição. Assim, por
mais incoerente que seja em relação às promessas de campanha, e por mais
deplorável que possa ser o comportamento de acenar com uma coisa e realizar
outra – o chamado “estelionato eleitoral”, que só contribui para o descrédito
da política partidária – não deveria causar surpresa a escolha de um nome do
“mercado” para a Fazenda. Já a indicação, dada como certa, da líder ruralista
para a Agricultura é algo que passa dos limites.
Suposições
Colunistas
ligados ao PT desdobram-se na tentativa de explicar essas opções.
Concentrando-se na escolha para o Ministério da Fazenda, Paulo Moreira Leite
(23/11) compara o momento atual ao das vésperas do golpe de 1964 (ver “Dilma tenta evitar armadilha de Jango“). As
muitas ressalvas que ele próprio apresenta a essa analogia sugerem, entretanto,
que se trata de buscar uma justificativa a partir de um fantasma.
Sem
tratar do quadro de ministeriáveis, Luís Nassif (22/11, “Juiz Moro monta a segunda garra da pinça do impeachment“)
apontou em seu blog a existência de uma articulação para vincular a corrupção
que vem sendo apurada no processo desencadeado pela “Operação Lava Jato”, sobre
corrupção na Petrobras, e as contribuições para a campanha de Dilma. Isso
alimentaria a hipótese de impeachment, aliás ilustrada na capa do Globo de domingo (23/11), pelo efeito dominó
que começaria com a derrubada do doleiro e chegaria até a presidente: seria, no
mínimo, uma perfeita representação do wishful thinking do jornal, claramente empenhado nessa
causa, como esteve na época do mensalão, quando o alvo era Lula.
Na
contramão
Em suma, o novo governo estaria adotando velhas soluções
conservadoras – e até reacionárias – para conter ao menos parte das forças de
oposição e se proteger contra ataques mais radicais. Se for assim, caberia
perguntar qual a vantagem de vencer as eleições, se, acuado, o vencedor acabará
agindo como o adversário.
Pelo
contrário, Janio de Freitas, na Folha de S.Paulo, no
domingo (23/11), sintetizava a trajetória dos escolhidos – ressalvando a falta
de confirmação oficial de Kátia Abreu para a Agricultura – para concluir que “o
primeiro movimento do novo governo parece feito em marcha a ré”. No dia
seguinte, Ricardo Melo lembrava a ressurreição da militância petista na reta
final da campanha e seu papel na sofrida vitória, incompatível com as
anunciadas indicações para os ministérios. E reiterava:
“Longe de qualquer observador equilibrado esperar rupturas
bruscas, mas sim de enxergar um horizonte que mantenha e aprofunde as
conquistas sociais. Salvo pela existência de uma bem guardada carta na manga,
impossível de se vislumbrar até agora, o novo governo vem andando na contramão
do que prometeu. Um jogo mais do que perigoso”.
Fazer
escolhas
Momentos
de indefinição sempre foram campo fértil para apostas e especulações. Por isso
é mais ainda necessário buscar análises consistentes para formar a própria
opinião. Não se trata, evidentemente, de sugerir que o leitor deva
contextualizar e checar as informações que recebe, não só porque esta sempre
foi a tarefa dos jornalistas – sejam repórteres ou articulistas – como porque o
cidadão comum não tem a menor condição de checar o que quer que seja,
simplesmente porque não tem fontes. Sabe do que acontece por intermédio da
imprensa, e as informações que recebe estão filtradas pelos interesses que
orientam o noticiário, como se demonstra sistematicamente aqui mesmo nesteObservatório. Isso
condiciona a nossa hipótese de compreender o que está em jogo.
Mas por isso mesmo é preciso encarar de forma crítica o que sai
nos jornais. No caso dos artigos de opinião, em particular, tentar avaliar a
qualidade dos argumentos. Em síntese: cultivar a capacidade de reflexão, o que
exige um tempo incompatível com o automatismo que prevalece nas redes.
Sylvia Debossan Moretzsohn - jornalista,
professora da Universidade Federal Fluminense, autora deRepórter no volante. O papel dos
motoristas de jornal na produção da notícia (Editora Três Estrelas, 2013) e Pensando
contra os fatos. Jornalismo e cotidiano: do senso comum ao senso crítico (Editora Revan, 2007)
Fonte: site Observatório da Imprensa