Para o cérebro, tempo é oportunidade
De que vale uma
montanha de neurônios se não houver tempo para usá-los?
Meus colegas adoram comparar humanos a camundongos.
Reviram os genes de uns e de outros, sempre à espera de que um desses genes
finalmente revele o que nos torna humanos. Acho bobagem, por uma série de
razões, mas hoje trato do que suspeito ser a maior de todas.
A sequência de oportunidades que permitiram a
humanos sustentar cérebros cada vez maiores e mais cheios de neurônios
corticais trouxe com eles também mais tempo para usar os ditos cujos.
Acho que essa é uma das minhas descobertas mais
importantes.
Quanto mais neurônios uma espécie tem no córtex cerebral, mais
tempo ela leva na infância, que agora eu defino como a fase da vida em que o
cérebro ainda está crescendo e tomando forma, aprendendo a todo vapor.
De
quebra, mais tempo essa espécie com mais neurônios também tem de vida adulta.
Por que o tempo é tão importante? Porque com ele
vêm oportunidades.
Comparar camundongos e humanos adultos é como
comparar o humano médio de 25 anos com a Rebeca Andrade em termos de destreza,
agilidade e coordenação e supor que os dois tiveram as mesmas oportunidades de
formação.
Mas uma treina seis horas por dia, seis dias por semana, o que em dez
anos dá um total acumulado de quase 20 mil horas de prática cada vez mais
exigente, que esculpe cérebro e corpo de acordo.
Enquanto isso, o outro, nos
mesmos dez anos, talvez tenha passado com sorte umas mil horas na academia –mas
apenas levantando os mesmos pesos, sem os novos desafios que guiam a construção
de grandes habilidades.
Esculpir um cérebro já montado, que já saiu da infância, leva
tempo porque é um processo guiado por tentativa e erro. Por isso, pílulas de
sabedoria e downloads de habilidades à la Matrix são pura fantasia.
Por isso, no caso de humanos e camundongos, uma comparação
mais justa seria entre animais da mesma idade –digamos, três meses.
A essa
altura, o camundongo já se vira sozinho e está inclusive apto a se reproduzir.
Enquanto isso, o humano ainda está no colo, absolutamente incompetente –é todo
possibilidades, mas ainda sem habilidades concretas.
Para
mim, nessa comparação específica, em que o tempo não é um fator, quem ganha é o
camundongo, sem sombra de dúvida.
A razão é justamente que, com mais neurônios,
o cérebro também leva mais tempo para se montar e sair da infância.
Intuitivamente,
faz sentido. Pense no tempo que você levaria para transformar um punhadinho ou
um caminhão de Legos em uma casa.
Da mesma forma, com mil vezes mais neurônios
do que o córtex do camundongo, o córtex cerebral humano leva 12 anos a mais até
ficar pronto –mas, no processo, ganha muito mais oportunidades de incorporar em
seus circuitos suas experiências de vida e se tornar extremamente capaz naquilo
que faz.
Criar civilizações, estudar a si mesmo, melhorar a própria vida, essas
coisas.
E
o que faz um cérebro com mil vezes mais neurônios corticais levar 12 anos a
mais para se tornar autossuficiente?
Por que ter mais neurônios torna a vida
mais lenta e mais longa?
Não sei. Mas eu sei como descobrir, só preciso de
financiamento para executar o projeto. Algum bilionário se habilita?
Cartas
para a Redação, por favor!
SUZANA
HERCULANO-HOUZEL - bióloga e neurocientista da
Universidade Vanderbilt (EUA).