O futebol é um exemplo do nós contra eles,
violência e união como causa de grupo
Dentro
do cérebro do torcedor extremista, a derrota desliga sistemas de autocontrole.
"O futebol é uma caixinha de surpresas."
Sim, uma caixinha bem pequenina, sem espaço para muita coisa.
"A bola
pune", que nada, o que castiga é a competência do adversário. "Quem
não faz, toma", outra falácia, fosse assim, o placar zero a zero não seria
tão frequente.
Minha vã rabugice cede, o esporte é um universo de inspiração
para bons frasistas.
Que tal a síntese do dramaturgo Nelson Rodrigues: "O futebol era, nesta
terra, um esporte passional, sombrio, cruel. O torcedor já entrava em campo
vociferando: — Mata! Esfola!"?
Nelson Rodrigues faz referências ao indivíduo que
abdicou de si para se juntar congruente a outros, unidos compartilham
convicções e atuam síncronos.
O futebol é um canal para a irresistível
tendência em formar afiliações, um comportamento inerente ao ser humano.
Religiões, visões políticas, identidade étnica são outros
canais, cujos temas abastecem certas redes cerebrais, biologicamente
programadas para que nós constituamos agremiações.
Tudo remonta a nossos
ancestrais, prósperos por organizarem-se em alianças, a colaboração mútua
abrigava chances maiores de sobrevivência.
Estar em um grupo significava, e
ainda significa, estar protegido, com acesso a direitos e a privilégios.
Enquanto se paga o preço de cumprir obrigações e de seguir rituais.
Sob circunstâncias semelhantes, a coesão intragrupo se
fortalece, outras amarras são os vieses de julgamento.
Aliados tratam-se com
maior empatia, enquanto arbitrariamente atribuem adjetivos negativos aos não
congregados.
Comunidades competiam e competem para obtenção de monopólio de
recursos, os vieses tecem justificativas a mais para a união e violência.
Delimita-se
o "nós contra eles", neste contexto, ver o infortúnio de um
competidor pode causar um prazer especial.
Para torcedores apaixonados, os times de futebol são fontes
essenciais de identidade, sustentadas por símbolos, títulos, valores culturais
e até mesmo domínios territoriais. Uma adaptação moderna a um enredo de origens
pré-históricas.
O estado mental de grupos de torcedores assemelha-se ao estado
mental de membros de outras organizações sociais.
A base neural do fanatismo,
exemplo de afiliação extrema, com suas consequências de sacrifícios e fúria,
provavelmente é a mesma para o tema futebol ou outro qualquer.
Francisco Zamorano, pesquisador chileno, demonstrou
que fãs, ao assistirem à derrota do time "do coração", sofrem como
consequência uma redução de atividade nas áreas cerebrais responsáveis por
detecção de erros e por monitoramento de conflitos.
Basar Bilgiç, cientista de
Istambul, apontou que cérebros de fanáticos por times de futebol respondem mais
ao prazer e são mais facilmente motivados.
Em termos práticos, os neurônios de obcecados por
times são mais influenciáveis pelos resultados de futebol.
Dentro dos cérebros
de torcedores extremistas, a derrota desliga sistemas de autocontrole e de
comportamento adaptativo.
O revés, para essas pessoas, será entendido como uma
injustiça, uma ofensa contra uma causa, um ataque aos símbolos reverenciados.
Provavelmente estão aí algumas explicações para
os fenômenos irracionais que ocorrem dentro e ao redor dos
estádios de futebol, como os suicídios de brasileiros após o fim da Copa de 1950, a ascensão dos "hooligans" na Europa e os assassinatos em
brigas de torcidas organizadas.
Pode ser também que dessa forma expliquemos
alguns outros movimentos de fanáticos, de organizações não esportivas.
LUCIANO
MAGALHÃES MELO - médico neurologista.