Troll é um termo utilizado na internet para caracterizar um
baderneiro que surge – na maioria das vezes, anonimamente – para provocar
discórdia nas redes sociais e em seções de comentários de blogs e sites, quase
sempre com postagens agressivas.
Embora trolls, mensagens de ódio na rede ou o cyberbullying não
sejam novidade, cada vez mais a internet parece estar perdendo uma guerra
invisível contra tais assediadores, e o grande desafio no momento é encontrar
uma forma inovadora de derrotar os encrenqueiros do mundo digital.
Bullying virtual
Dias após a morte de seu pai, o ator Robin Williams – que
cometeu suicídio em 11/8 –, a também atriz Zelda Williams, tornou-se vítima do
assédio online. Zelda decidiu sair de sua conta no Twitter após receber
fotomontagens de seu pai com marcas no pescoço e fotos de cadáveres mortos por
enforcamento.
Embora o cancelamento de uma celebridade no Twitter não soe como
um dos problemas mais alarmantes que o mundo enfrenta, deve-se notar que o
fenômeno não é fato isolado e afeta mais gente do que parece, podendo deixar um
rastro de danos emocionais coletivos.
Em artigo publicado na revista Pacific Standard, a
escritora Amanda Hess aponta que a internet tem se tornando uma “central para a
experiência humana”, um lugar do qual não se é mais possível escapar caso você
deseje trabalhar, namorar, socializar ou abrir uma conta corrente. Por causa
disso, o impacto da rede em nossas vidas é maior do que se imagina. “Ameaças
online podem dominar nosso emocional”, avalia. Amanda também pondera que os
problemas online refletem um custo real, pois além de tomar tempo, às vezes
exigem providências concretas para serem combatidos, como a abertura de
processos ou o investimento em segurança online.
A escritora e ativista americana JenniferPozner – que se dedica principalmente a grupos de defesa de causas
feministas – teve sua vida profundamente afetada por um perseguidor. Ela chegou
a receber mensagens diárias de um indivíduo que criava contas novas no Twitter
única e exclusivamente para perturbá-la.
Guerra online
A Guerra de Gaza tem sido mais um pretexto para manifestações
odiosas nas redes sociais, principalmente no que diz respeito ao
antissemitismo. Em análise para o New York Times, o jornalista Enrique
Krauze, articulista do El
País, chamou atenção para a quantidade de mensagens antissemitas
redigidas em língua espanhola no Twitter. “Alguns governos latino-americanos
manifestaram seu descontentamento com as ações de Israel. Chile e Brasil
chamaram seus embaixadores, Fidel Castro acusou os israelenses de genocídio, e
os governos favoravelmente dispostos à revolução populista da Venezuela
condenaram publicamente a postura de Israel na guerra”, escreveu ele. “Embora
tal rejeição política não seja necessariamente antissemita, há algo novo
surgindo nas mídias sociais em língua espanhola, principalmente entre os
jovens, onde a condenação a Israel é muitas vezes acompanhada por diatribes
antissemitas. A América Latina não é particularmente antissemita, mas há um
perigo de se transformar em tal”, concluiu.
Suzette Bronkhorst, cofundadora da Agência Holandesa de Queixas
para Discriminação na Internet, diz que não se lembra de já ter visto níveis
tão altos de discursos antissemitas em plataformas sociais. Em julho de 2014, o
número de páginas antissemitas em língua holandesa no Facebook alcançou as
centenas. No mesmo período, a hashtag
“Hitler estava certo” apareceu mais de 10 mil vezes no Twitter, tornando-se um trending topic.
A Universidade Técnica de Berlim deu início a um projeto para
analisar cerca de 100 mil textos da internet e avaliar como o antissemitismo se
espalha nas redes sociais e nas seções de comentários de sites, chats e fóruns.
A equipe descobriu que as manifestações não vêm só do círculo islâmico e dos
círculos de direita, mas também da classe média escolarizada.
Yonathan Arfi, vice-presidente do Conselho Representativo das
Instituições Judaicas da França, diz que a onda antissemita é um novo fenômeno
que tem se intensificado graças à internet. “É um espaço sem leis”, diz ele.
Combate
Mesmo com tantas evidências óbvias de que discursos de ódio
devam ser combatidos, a questão ainda é bastante complicada. Tanto o Twitter
quanto o Facebook têm meios para denunciar abusos, mas os recursos são
frequentemente descritos como inadequados.
Del Harvey, vice-presidente da Equipe de Confiança e Segurança
do Twitter, afirma que o site vive em constante processo de avaliação para
melhorar ainda mais suas políticas e lidar melhor com casos como o da filha do
ator Robin Williams.
A empresa de mídia online Gawker Media diz ter solucionado seus
problemas implementando um sistema onde apenas comentadores aprovados têm
permissão para postar na seção de comentários. Comentários reprovados costumam
ser relegados a uma seção de “pendentes” com um aviso de alerta aos leitores
sobre seu conteúdo.
Em 2013, o Facebook enfrentou pressão de ativistas e
anunciantes, o que levou a rede social a rever suas páginas de comunidades,
evitando assim a publicação de anúncios em páginas com conteúdo gráfico.
Adeptos da tecnologia e ativistas online, por outro lado, alegam
já ter oferecido ao Twitter algumas ideias simples para tornar o microblog mais
seguro. O programador Jacob Hoffman-Andrews, por exemplo, criou o “Block
Together”, um programa que permite aos usuários bloquear novas contas no
Twitter ou contas que tenham número baixo de seguidores.
Liberdade de expressão
O que torna boa parte das empresas de tecnologia hesitantes sobre
a filtragem de qualquer conteúdo em seus sites é o temor de bloquear a
liberdade de expressão. Monitorar conteúdo agressivo individualmente é algo
complicado devido ao alto volume de informação na rede, e realizar bloqueio
automático de conteúdo (através de palavras-chave) pode atrapalhar eventos
políticos. É inegável, por exemplo, a importância das redes sociais durante a
Primavera Árabe de 2010 e 2011.
Quando o Facebook esteve sob a pressão de ativistas em 2013, ele
também apontou a dificuldade em não afetar a liberdade de expressão ao realizar
a filtragem de seu conteúdo. “Avaliar materiais controversos nos obriga a tomar
decisões difíceis e desperta preocupações em relação ao equilíbrio da liberdade
de expressão e do respeito à comunidade”, declarou a equipe do Facebook em seu
blog à época.
“Não alimente os trolls”
O jornalista britânico-americano Nick Bilton diz que já cometeu
o “grande erro” de se envolver em discussões em redes sociais e que os
episódios lhe renderam mensagens de ódio imediatas e ofensas impublicáveis.
Ele crê que não interessa o tópico abordado. Pode ser Gaza, a
Agência Nacional de Segurança dos EUA, Beyoncé, Justin Bieber ou assuntos
esotéricos: sempre haverá discursos de ódio na rede. Em artigo para o New York Times, o jornalista se pergunta: o
que o usuário deve fazer então? Recusar-se a se manifestar ou a compartilhar
links para não incitar a horda?
Bilton consultou uma série de jornalistas “cujo trabalho é ser
atacado online” em busca de uma resposta. Boa parte deles disse ignorar as
mensagens. Um editor da revista New
Yorker afirmou: “A regra do seu envolvimento é nunca se envolver”.
Um ex-funcionário da Gawker disse que um dos mantras da empresa é “Nunca
reclame, nunca se explique”. Já um colega do New
York Times recorreu a uma velha regra da internet: “Não alimente os
trolls”.
Bernie Mayer, autor de vários livros sobre resolução de
conflitos e professor da Escola de Direito da Universidade de Creighton, em
Omaha, observa que, além da velocidade, há outro problema nas discussões
digitais: nelas, as pessoas não conseguem captar o tom de uma conversa, a
expressão facial e, acima de tudo, o sarcasmo. Mayer diz que é possível ter
pistas através de emoticons
e nuances gramaticais, mas que, por fim, num embate de 140 caracteres, isso se
torna quase impossível.
Para Whitney Phillips, professora da Universidade Estadual de
Humboldt, enquanto a internet estiver operando de acordo com uma economia
baseada em cliques, os trolls vão existir. “Não é uma questão de saber se
estamos ou não estamos vencendo a guerra contra os trolls, mas sim se estamos
vencendo a guerra contra a misoginia, o racismo e afins”, diz ela. “A atitude
dos trolls é apenas um sintoma destes problemas maiores”.
Fonte: site Observatório da Imprensa
Tradução: Fernanda Lizardo,
edição de Leticia Nunes. Com
informações de Farhad Manjoo [“Web Trolls Winning asIncivility Increases”, The New York Times,
15/8/2014], Enrique Krauze [“Anti-Semitism Stirs inLatin America”,The New York Times,
16/8/2014], Luigi Serenelli (com colaboração de Angela Waters e Jennifer
Collins) [“As onlineanti-Semitism grows, so do efforts to counter it”, The
Washington Post, 15/8/2014], Merissa Nathan Gerson [“