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O
escritor Kevin Kelly é geralmente descrito como um "maverick". Não
por causa do cultuado carro esportivo dos anos 1970, mas pelo fato de ser um
pensador independente, que não teme fazer avançar novas ideias. Kelly lançou no
dia 7 seu novo livro, batizado com o provocador título de "Inevitable"
(Inevitável).
No
texto, lista 12 forças tecnológicas que, na sua opinião, irão definir nosso
futuro. Entre elas, uma se destaca: o que chama de "cognificação".
O
termo é bizarro, mas a ideia é relativamente simples. Trata-se da tendência
tecnológica –segundo ele, inevitável– de adicionar inteligência artificial aos
objetos do cotidiano. Onda que vai ser tão ou mais importante que o processo de
eletrificação que transformou o mundo no século passado.
Objetos
cotidianos já foram revolucionados uma vez pela eletricidade. Bombas de água,
ferramentas manuais (furadeiras, batedeiras etc.), máquinas de lavar e outras
aplicações foram sendo progressivamente reinventadas nas versões
"elétricas". O argumento de Kelly é que "não há nada que não
possa se tornar novo, diferente ou mais valioso com a adição de inteligência
artificial".
Essa
possibilidade irá gerar uma explosão de oportunidades para novas empresas
("start-ups"), com um modelo de negócios bastante objetivo: pegue um
objeto X e cognifique-o, isto é, desenvolva a forma como ele pode ser
aperfeiçoado ao adicionar inteligência artificial.
As
ferramentas necessárias para isso estão cada vez mais baratas e disponíveis. Há
uma série de projetos gratuitos e abertos (no sentido "open source"
do termo) oferecendo infraestrutura básica de inteligência artificial a ser
aplicada em objetos. Um exemplo é o projeto TensorFlow, lançado pelo Google. Ou
ainda o projeto sem fins lucrativos chamado OpenAI, lançado por bilionários
como Elon Musk e Peter Thiel, com o objetivo de tornar as ferramentas de
inteligência artificial abertas a qualquer pessoa, além de incluir um forte
componente ético em sua aplicação.
Faz
sentido. A visão de Kevin Kelly indica que caminhamos para nos tornar um
amálgama entre natureza, máquina e humanidade. Uma espécie de "harmonia
mutuamente programável", termo que aparece no intrigante poema de 1967 de
Richard Brautigan, que vale ser relido à luz desse novo contexto (perdoem a
tradução capenga):
Gosto
de pensar (e/quanto mais cedo melhor!)/em um prado cibernético/onde mamíferos e
computadores/vivem juntos em harmonia mutuamente programável/como água
pura/tocando céu claro. Gosto de pensar/(desde já, por favor!)/em uma floresta
cibernética/cheia de pinhos e eletrônica/onde cervos passam em paz/por
computadores/como se fossem flores/de desabrochar torcido. Gosto de pensar/(e
há de ser!)/em uma ecologia cibernética/onde estaremos livres do trabalho/e
unidos de novo à natureza/retornando aos mamíferos/irmãos e irmãs,/com tudo
observado/por máquinas de adorável graça.
Ronaldo Lemos - advogado e diretor do
Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro.
Fonte: coluna no jornal FSP