Até os ratos perdem o sono por causa da sensação de impotência e falta de controle.
Ah
como é irritante ouvir dos outros que está “só na sua cabeça” um problema que
você sente na pele. Que bom que a ciência nos livra dos achismos alheios,
inclusive este: os tais problemas de saúde que são “só psicossomáticos”.
Pois
bem: eles são tão reais que até ratos sofrem os efeitos do estresse. Que tipo
de problemas perturbam o sono dos ratos, você pergunta? Vários, todos
relacionados, como para nós, à sensação de impotência e falta de controle. Um
deles é o estresse de ter seu território invadido e ainda perder a briga para o
invasor. Em casos de derrota social, os ratos perdedores sofrem de taquicardia,
pressão arterial elevada, e até febre puramente emocional, que não responde a
antipiréticos.
Como
é possível ter febre por causa de estresse, e ainda mais uma febre que não
responde a tratamento? Um tour de force científico do grupo do neurocientista
Kazuhiro Nakamura, na Universidade Nagoya, no Japão, revelou recentemente o
circuito cerebral responsável. Como seria de se esperar para algo tão subjetivo
como a sensação de derrota social, a febre emocional nos ratos começa no córtex
cerebral, em áreas pré-frontais, associativas —o que significa que fazem muito
mais do que processar sensações ou movimentos. Essas são as partes do córtex
que tornam nossa vida complexa, flexível, e que ajustam nosso comportamento e o
adequam à nossa realidade externa e interna.
Pois,
segundo o estudo publicado na prestigiada revista Science, a parte medial do
córtex pré-frontal dos ratos tem linha direta com o hipotálamo, a estrutura
mais anterior do cérebro dos vertebrados, que por sua vez tem linha direta com
o corpo.
Em
caso de derrota social, a região medial do hipotálamo aciona o sistema nervoso
simpático, e provoca tudo junto: a taquicardia, a hipertensão —e até febre, por
aumento de geração de calor em tecidos de gordura marrom no corpo.
Essa
é aquela gordura que bebês e quem mora no frio têm em boa quantidade, mas todos
nós temos alguma. Sob estresse, essas reservas começam a ser usadas puramente
como aquecimento, o que é completamente diferente do aumento da geração de
calor generalizada da febre, causada por parte também diferente do hipotálamo.
Os antipiréticos que agem em uma e combatem a febre de infecção não agem na
outra, e assim a febre emocional não baixa.
Nem
todas as febres são iguais, mas isso não torna umas menos reais —nem menos
importantes.
Suzana Herculano-Houzel - bióloga e neurocientista da Universidade
Vanderbilt (EUA).
Fonte: coluna jornal FSP