Nome
que designava uma doença específica virou saco de gatos, ajudando a turvar
o diagnóstico
Reuniões científicas costumam ser oportunidades para
pesquisadores trocar figurinhas e apresentar uns aos outros o que acabaram de
descobrir ou começaram a estudar mas ainda não se tornou público.
Nem toda perda de memória é sinal de alzheimer
Por isso uma reunião recente sobre a doença de Alzheimer
foi tão extraordinária. Duas instituições privadas, a Alzheimer’s Association e
a Croucher Foundation, de Hong Kong, reuniram cerca de 30 pesquisadores
especialistas na doença para passar três dias naquela cidade-Estado, fechados
em um auditório, não para apresentar suas descobertas, mas, sim, para
avaliar o estado da questão e tentar chegar a um consenso sobre o que é, de
fato, o mal de Alzheimer e o que se sabe sobre suas causas.
O problema é duplo. Por um lado, bilhões já foram
investidos em pesquisa e medicamentos, mas, até agora, não existe tratamento
eficaz, recuperação nem cura.
Por outro lado, e talvez esta seja uma das causas do
primeiro problema: o que médicos e pesquisadores chamam de “doença de
Alzheimer” costumava ser algo muito preciso (perda de memória e demência
precoces, com emaranhados de proteína tau encontradas no cérebro após a morte),
mas nas últimas décadas passou a abraçar o que outros ainda chamam de demência senil e também
formas não hereditárias da doença, tanto precoces ou tardias. O exame clínico
não deveria bastar para o diagnóstico, mas na
prática muitas vezes é tudo o que se faz.
Resultado: o nome que designava uma doença específica em
pessoas de meia-idade que parecem ter diagnóstico claro (embora
ainda não exatamente mecanismo definido) virou um saco de gatos. Alguns
pesquisadores ainda têm o cuidado de definir a que se referem, mas outros, em
parte no afã de terem seus esforços abraçados pelo farto financiamento para
estudar a doença, contribuíram para turvar o diagnóstico a ponto de
tê-lo deixado quase inútil.
Receber
um diagnóstico de doença de Alzheimer é devastador e somente deveria acontecer
com ampla certeza. A diferença é que nem toda perda de memória é sinal de
alzheimer. Estresse, pancadas, AVCs, problemas vasculares e metabólicos e
tantos outros fatores podem levar a perdas cognitivas debilitantes, sim —mas
não catastróficas, como é a doença descrita originalmente pelo dr. Alzheimer.
Quando o diagnóstico vem com uma sentença, todo cuidado é pouco.
Suzana Herculano-Houzel - neurocientista, professora da UFRJ, autora do livro
"Pílulas de Neurociência para uma Vida Melhor" (ed. Sextante)
Fonte: www.suzanaherculanohouzel.com