Eu
estava meio encolhido na sala de embarque do aeroporto de Vitória. Cheguei
antes do horário. Era uma aperto só. De repente, na minha frente brota um
grande amigo: Rosental Calmon Alves. Esqueci o cansaço, as filas e a demora.
Passamos em revista os problemas do mundo e do jornalismo. O entusiasmo do
Rosental faz bem a qualquer um.
Ganhei
meu dia.
O
jornalista Rosental Calmon Alves é um fenômeno de renovação permanente. Começou
sua carreira de jornalista em 1968. Entre outros veículos, passou pelas Rádios
Tupi e Nacional, no Rio de Janeiro, e pelas revistas IstoÉ e Veja. No Jornal do
Brasil, foi correspondente em Madri, Buenos Aires, Washington e Cidade do
México. Em 1995 foi o responsável pelo lançamento da primeira versão para a
internet de um jornal brasileiro: o JB Online. Um ano depois trocou as redações
pela carreira acadêmica e se tornou professor na Universidade do Texas, em
Austin. Em 2002 criou o Centro Knight para Jornalismo nas Américas.
Rosental,
um carioca simpático e acolhedor – tenho saudade de nosso encontro em Austin –,
surpreende por sua capacidade de adaptação às mudanças. Considerado um dos
grandes teóricos do jornalismo online, ele sempre chamou a atenção para os
desafios a serem enfrentados pelos jornais neste momento de revolução digital.
Segundo
Rosental, o surgimento das redes sociais, como o Twitter e o Facebook, não
mudou somente o jornalismo, mas também o mundo. “Nunca antes os avanços
tecnológicos nos afetaram tanto e, consequentemente, afetaram a forma de fazer
jornalismo”, observa. “Há mais de uma década que eu venho alertando para isto:
não dá mais para continuar fazendo jornais do mesmo jeito.”
Essa
é uma nova realidade que as grandes empresas de mídia precisam aceitar,
pondera: “Hoje a comunicação não é mais vertical, unidirecional, com a internet
ela passou a não ter limites”. E remata: “Outra diferença é que a audiência não
é mais passiva, não se trata mais de um monólogo, é preciso haver uma constante
troca de informações entre os leitores e o jornal”.
Rosental
Calmon Alves vai ao ponto. Precisamos, todos, fazer uma urgente autocrítica. E
a primeira reflexão nos leva a depor as armas da arrogância e assumir a batalha
da humildade. A comunicação, na família, nas relações sociais e no jornalismo,
não é mais vertical. O diálogo é uma realidade cultural. Ainda bem. Os oráculos
morreram. É preciso ouvir o leitor. Com respeito. Com interesse real, não como
simples jogada do marketing. O leitor não pode ser tratado como um intruso.
Os
jornalistas precisam escrever para os leitores, e não para os colegas. Alguns
cadernos culturais parecem produzidos numa bolha. Falam para si mesmos e para
um universo cada vez mais reduzido, pernóstico e rarefeito. O jornal precisa
ter a sábia humildade de moldar o seu conceito de informação, ajustando-o às
autênticas necessidades do público ao qual se dirige.
Falta
humildade, sem dúvida. Mas falta, sobretudo, qualidade. O nosso problema, ao
menos no Brasil, não é de falta de mercado, mas de incapacidade de conquistar
uma multidão de novos leitores. Ninguém resiste à matéria inteligente e
criativa. Em minhas experiências de consultoria, aqui e lá fora, tenho visto
uma florada de novos leitores em terreno aparentemente árido e pedregoso. O
problema não está na concorrência dos outros meios, embora ela exista e não
possa ser subestimada, mas na nossa incapacidade de surpreender e emocionar o
leitor. Os jornais, prisioneiros das regras ditadas pelo marketing, estão
parecidos, previsíveis e, consequentemente, chatos.
A
juventude foge dos jornais. Falso. Os jovens evitam, sim, os produtos que pouco
falam ao seu mundo real. Milhões de jovens, em todo o mundo, vibram com as
aventuras de O Senhor dos Anéis e com a saga de Harry Potter. São milhares de
páginas impressas. Mas têm pegada. Escancaram janelas para a imaginação, para o
sonho, para a fantasia. Transmitem, ademais, valores. Ao contrário do que se
pensa, os jovens reais, não os de proveta, manifestam profunda carência de
âncoras morais. Os jornais que souberem captar a demanda conseguirão, sem
dúvida, renovar sua clientela.
A
revalorização da reportagem e o revigoramento do jornalismo analítico devem
estar entre as prioridades estratégicas. É preciso seduzir o leitor com
matérias que rompam com a monotonia do jornalismo declaratório. Menos Brasília
e mais vida. Menos aspas e mais apuração. Menos frivolidade e mais
consistência. Além disso, os leitores estão cansados do baixo-astral da
imprensa brasileira. A óptica jornalística é, e deve ser, fiscalizadora. Mas é
preciso reservar espaço para a boa notícia. Ela também existe. E vende jornal.
O leitor que aplaude a denúncia verdadeira é o mesmo que se irrita com o
catastrofismo que domina muitas de nossas pautas.
Precisamos,
enfim, combater a síndrome ideológica que ainda persiste em alguns guetos
anacrônicos. Seu exemplo mais acabado é a patologia dos rótulos. Alguns
jornalistas ainda não perceberam que o mundo mudou. Insistem, teimosamente, em
reduzir a vida à pobreza de quatro qualificativos: direita, esquerda,
conservador, progressista. Tais epítetos, estrategicamente pendurados, têm
dupla finalidade: exaltar ou afundar, despertar simpatias exemplares ou
antipatias gratuitas. A boa reportagem é sempre substantiva. O adjetivo é o
adorno da desinformação, o farrapo que tenta cobrir a nudez da falta de
apuração. É, sempre, uma fraude.
É importante que os repórteres e os responsáveis pelas redações
tomem consciência desta verdade redonda: a imparcialidade (que não é
neutralidade) é o melhor investimento. O leitor quer informação clara,
corajosa, bem apurada. Não devemos sucumbir à tentação do protagonismo. Não
somos construtores de verdades. Nosso ofício, humilde e grandioso, é o de
iluminar a história.
Carlos
Alberto Di Franco –
advogado, doutor em comunicação
Fonte:
coluna jornal O Estadão.