Título de capitalização é bom pra quem?



Notas de real

Muitas pessoas só conseguem guardar dinheiro na marra. Como não são disciplinadas para manter o hábito saudável de poupar parte do salário, utilizam produtos que punem fortemente o saque, como os títulos de capitalização. Para evitar a punição de receber de volta apenas uma parte do que guardaram, continuam poupando, reféns do produto que escolheram para acumular dinheiro.

Pode ser pior. Muitos só se dão conta da enrascada na qual se meteram muito tempo depois, vítimas de abordagem comercial mal conduzida, desprovida de ética e transparência.

Se iludem os que acham que estão investindo dinheiro, fazendo uma poupança programada para atingir um objetivo futuro. Estão apenas guardando dinheiro e não são remunerados por isso. A rentabilidade é extremamente baixa e incide somente sobre parte do dinheiro depositado. Alguns anos depois, muitos recebem de volta o dinheiro depositado sem acréscimo de juros, corroído pela inflação.

Não fosse pela baixa probabilidade de ser sorteado e receber um prêmio, o resultado é muito semelhante ao de guardar dinheiro embaixo do colchão. Investir é outra coisa, bem diferente e muito melhor. Você troca a pequena chance de ser sorteado pela certeza de receber juros e ser recompensado pelo esforço de poupar dinheiro.

José deposita R$ 100 por mês em um título de capitalização e fará isso pelos próximos cinco anos. Sua expectativa é receber R$ 6.000 daqui a cinco anos, a mesma quantia de dinheiro que desembolsou. Lamentavelmente a inflação terá reduzido seu poder de compra.

José não receberá juros para repor a perda inflacionária e não receberá juros pela disciplina de poupar. Se a inflação for de 4,5% ao ano, como sugere a meta a ser perseguida pelo governo, José perderá, em cinco anos, 25% do capital depositado. Equivale a dizer que, com os R$ 6.000 que terá em mãos no futuro, poderá comprar mercadorias que custam R$ 4.500 a preços de hoje.

Maria investe R$ 100 por mês em Tesouro Selic, título público que paga a variação da taxa básica de mercado. Se considerarmos uma rentabilidade líquida de 0,8% ao mês, em cinco anos terá R$ 7.720, suficientes para repor a inflação e ampliar o poder de compra no futuro. O esforço de José e Maria é o mesmo. O resultado de Maria, cerca de 30% maior.

BOM PRA QUEM?

Os números divulgados em outubro pela Federação Nacional de Capitalização (FenaCap) deixam claro o desequilíbrio entre os participantes desse mercado. Apesar de criticado por quem entende de finanças pessoais e a despeito da crise econômica, a indústria cresce sem parar.

As provisões técnicas –valores acumulados pelos clientes e que serão resgatados ao fim do prazo de vigência dos títulos– superaram R$ 29,5 bilhões. Em apenas oito meses, entre janeiro e agosto de 2016, os resgates finais e antecipados das reservas dos clientes atingiram R$ 13,3 bilhões. É muito dinheiro!

Quanto dessa bolada fenomenal volta para os clientes na forma de prêmios e quanto fica para as empresas do setor? De acordo com os dados mais recentes divulgados pela FenaCap, a receita global das 17 empresas que comercializam títulos de capitalização no país superou os R$ 13,6 bilhões. No mesmo período, todas as empresas do segmento distribuíram R$ 699 milhões em sorteios. Apenas 5% da receita...

ÓRGÃO REGULADOR

A Susep está de olho e reporta inúmeras irregularidades na comercialização do produto. Em abril, o Conselho Diretor da Superintendência de Seguros Privados decidiu por unanimidade suspender a comercialização e novas autorizações dos títulos de capitalização, na modalidade popular, de quatro empresas.

Propaganda com informações incompletas, omissão de que se trata de título de capitalização, muita ênfase ao sorteio, falta de clareza quanto à necessidade de cumprir carência para resgatar o dinheiro, negligenciar a informação de que a remuneração não incide sobre todo o valor depositado são algumas das irregularidades apontadas pela Susep às quais os consumidores devem ficar atentos.

E você, tem o hábito de investir ou apenas guarda dinheiro? Repense seus hábitos e escolhas, você merece mais do que isso.

Marcia Dessen - planejadora financeira pessoal, diretora do Planejar e autora do livro 'Finanças Pessoais: o que Fazer com Meu Dinheiro'.
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