Sempre que estou diante de grandes dificuldades, recorro aos
ensinamentos e ao exemplo dos meus pais, que me criaram com pouco dinheiro e
muita dignidade.
Os países fazem o mesmo. Quando Paris foi atacada pela barbárie
extrema, a França se uniu em torno de seus ancestrais valores de liberdade,
igualdade e fraternidade.
O Brasil tem uma ancestralidade mais tênue. A história é pouco
protagonista em nossa história. E é manchada por longos capítulos que nos
enchem mais de vergonha do que de orgulho, como o extermínio indígena, a
escravidão dos africanos, a exploração de muitos por poucos, as injustiças
acumuladas.
Mas, se há trevas no passado, há também luz. Conhecê-lo melhor
iluminará o presente e tecerá o fio da meada para costurar o futuro.
Causa grande efeito sair da avenida Paulista –com seu trânsito
intenso, suas passeatas, sua ciclovia em construção– e entrar na coleção
Brasiliana no prédio do Itaú Cultural.
Ali estão agora expostas 1.300 peças dos cinco séculos de Brasil
desde a chegada portuguesa, de um total de mais de 12 mil itens de incalculável
valor histórico e artístico. Foram colecionados ao longo de décadas por Olavo
Setubal, com curadoria de Pedro Corrêa do Lago, agora em exibição permanente,
gratuita e obrigatória. Vá.
É um registro abrangente da representação do país ao longo dos
séculos, condensada em textos explicativos do tamanho de um tuíte –uma breve
história do tempo brasileiro.
Saindo do elevador para a exposição, arquitetada por Daniela
Thomas e Felipe Tassara, damos de olhos com a fauna e a flora do nosso país em
gravuras vibrantes e coloridas que decoram a escada ligando os dois andares da
exibição. Imagens que já nos levam ao tempo contínuo da natureza brasileira,
cujas criaturas exuberantes seguem decorando o país ao redor.
As primeiras obras da exposição retratam o Brasil canibal, do
qual, no nível simbólico, nunca saímos.
Conquistamos muito já como nação, inclusive um potencial para
ser muito mais do que somos, mas esse avanço parece ocorrer mais em soluços do
que em fluxo contínuo.
Quando Maurício de Nassau chegou ao Recife, em 1637, ele era o
homem mais culto a pisar nestas terras. E cultura gera cultura. Nassau trouxe
jovens cientistas e artistas cujo trabalho conjunto criou a primeira grande
leitura (e entendimento) de Brasil. Que, antes de ser retratado por
brasileiros, o foi por estrangeiros.
Ao contrário do que aconteceu na América espanhola, os
portugueses baniram a impressão de livros na sua maior colônia por três longos
séculos. Os portugueses também fizeram grande esforço para proibir qualquer
publicidade do Brasil na Europa depois da expulsão dos holandeses, temendo que
ela atraísse o interesse de outros europeus pela maior riqueza da coroa.
Só com a transferência da corte de dom João 6 ao Rio de Janeiro,
em 1808, as coisas começaram a mudar. A história explica muito, e isso tudo
você pode entender percorrendo os corredores da coleção Brasiliana.
Precisamos construir uma nova história para o Brasil, mas a
faremos melhor com maior entendimento de como chegamos até aqui.
O Rio comemorou 450 anos no domingo em plena evolução para a
Olimpíada. Restaura o velho e o novo, no que deve ser exemplo para o Brasil e
nossas mal conservadas cidades históricas.
A parte mais moderna e republicana da Brasiliana nos coloca
diante de primeiras edições de livros fundamentais do Brasil moderno, como
"Dom Casmurro", "Vidas Secas" e "Macunaíma".
Está lá também um dos mais célebres erros tipográficos da
literatura brasileira, em coletânea poética de Machado de Assis. Saiu impresso
"cagara o juízo", em vez de "cegara o juízo". Machado se
desesperou e corrigiu ele mesmo, à mão, toda a primeira tiragem.
Os erros podem ser corrigidos. A história ensina muito. O Brasil
precisa reconhecer o Brasil para ser um Brasil melhor.
Nizan
Guanaes –
publicitário, dono da agência ABC, colunista do jornal FSP
Fonte: jornal Folha de São
Paulo