O contato com a literatura sobressalta,
provavelmente, por uma falta de hábito
Nenhum jovem se
queixou dos livros, o que parece indicar que a juventude não precisa de ser
protegida das obras censuradas.
Já comprou "O Avesso da Pele" e "Outono de Carne Estranha"? Ainda não li mas recomendo. Eu não conhecia os
livros, mas como ouvi dizer que estão sendo alvo de censura, agora estou
interessado.
É
sempre assim. Os livros estão nas livrarias sossegados, competindo em silêncio
pelo interesse do público, que costuma ser reduzido. Até que aparece alguém e
diz: "Aconteça o que acontecer, não leia este livro".
De repente, até
quem não tem hábitos de leitura deseja ter o livro. É ótimo.
A
estratégia de marketing das editoras devia passar a ser essa: enviar o livro
para algum governador ou prefeito com ar de idiota e introduzir um bilhete
dizendo "olha só a cena da página 76. Só espero que nenhum jovem leia
isto.
E tem dois palavrões, meu Deus." Em princípio, está feita a promoção
da obra.
De acordo com os jornais, os livros têm sido alvo
de censuras diferentes, mas ambas hilariantes.
"O Avesso da Pele" foi
banido por cenas de sexo e palavrões, que poderiam chocar alunos do ensino
médio.
O governador do Paraná considera que os
jovens estudantes, que têm no bolso um aparelho que lhes permite ver, quando
quiserem, os vídeos mais obscenos que a humanidade já produziu, ou descarregar
o PDF do "Mein Kampf", podem ficar melindrados com uma cena de um
livro.
Cabe acrescentar aqui que o pudico governador se
chama Ratinho Júnior, circunstância que já não
impressiona o público brasileiro, por força do hábito, mas continua a fazer rir
quem assiste de longe.
O bastião da moral: o excelentíssimo Ratinho Júnior.
O outro
livro, "Outono de Carne Estranha", talvez esteja passando por um
processo ainda mais engraçado.
A obra venceu o Prêmio Sesc de Literatura e, ao
que parece, tudo estava bem —até que o diretor-geral do Sesc viu um trecho do
livro. A solução para todo este caso parece evidente.
Nenhum jovem se queixou de ter ficado incomodado pelos
livros, o que parece indicar que a juventude não precisa de ser protegida da
perfídia das obras.
Quem deve ser impedido de ler os livros é o diretor-geral
do Sesc e o governador Ratinho Júnior.
O contato com a literatura
sobressalta-os, provavelmente por falta de hábito.
RICARDO ARAUJO PEREIRA - humorista, membro do
coletivo português Gato Fedorento. É autor de “Boca do Inferno”.