O aparelho que pode hackear (quase) tudo
Dispositivo teve
venda proibida no Brasil pela Anatel, o que aliviou empresas locais de
atualizar defesas.
Cibersegurança é uma das questões mais
importantes do mundo atual. É também um dos temas mais ignorados pela maioria
das pessoas (e empresas).
Nossa tendência é "confiar" nos aparelhos
que estão à nossa volta, pressupondo que são seguros e achar que tem alguém
cuidando da segurança de tudo. Ledo engano.
Para derrubar essa confiança ingênua com os dois
pés na porta, uma empresa dos EUA lançou há quatro anos um aparelho que é capaz
de testar e hackear a segurança de boa parte dos equipamentos que estão à nossa
volta.
O nome do aparelho vai ser omitido, já que o importante é o debate que
ele gera e não o produto em si.
O
aparelho cabe na palma da mão, custa menos de R$ 1.000 e é capaz de interagir
com boa parte dos dispositivos à nossa volta.
Por exemplo, chaves digitais de
todos os tipos, incluindo de veículos, portões de garagem, fechaduras
eletrônicas etc.
Usando o aparelho é possível ler os sinais emitidos pela chave
e gravá-los.
É possível, então, reproduzi-los, o que pode permitir abrir um
veículo, uma fechadura digital ou um portão, dependendo da estrutura de
segurança implementada.
Nesse
sentido, o aparelho pode clonar a chave de um quarto de hotel. Bastaria
aproximar a chave do aparelho. Ele pode, então, reproduzir o seu sinal junto ao
sensor, abrindo efetivamente a porta.
O
mesmo pode ser feito com relação a controles remotos. Dá para basicamente ler e
reproduzir o sinal de qualquer controle existente no mercado, permitindo ligar
e desligar TVs, ar-condicionados ou qualquer coisa comandada por infravermelho.
É possível ler também chips e tags com RFID (identificação
por frequência de rádio), tecnologia cada vez mais comum. Dá para ler o chip de
um cartão de crédito, obtendo o número do cartão.
No entanto, o aparelho não
consegue clonar o cartão, porque não consegue ler sua senha nem seu código de
verificação privado.
Em
entrevista recente o presidente da empresa que faz esse aparelho disse: "nosso
produto não é o mais sofisticado do mercado.
Ao contrário, o seu objetivo é
trazer consciência de que muitas coisas que usamos não são seguras. Se algo
pode ser hackeado por nosso aparelho é sinal de que está desatualizado em
termos de segurança."
"Várias
empresas estão fazendo marketing de seus produtos digitais hoje dizendo que
eles não podem mais ser hackeados pelo nosso aparelho.
Isso é o que queríamos,
essa é a nossa filosofia", acrescentou.
No
Brasil o aparelho teve sua comercialização proibida pela Anatel. Nos EUA ele
continua sendo legal e pode ser comprado online.
A
atitude da Anatel é paternalista.
Apesar de ter a nobre intenção de proteger as
pessoas contra usos maliciosos, o resultado é o oposto: mantém muita gente em
uma falsa bolha de segurança e alivia as empresas, que sabem que seus produtos
são vulneráveis e desatualizados, da necessidade urgente de corrigir o
problema.
Afinal,
não é o aparelho que cria as falhas de segurança. Ele apenas as revela. E
, infelizmente, há ferramentas muito mais poderosas que podem ser compradas por
bandidos.
Muitas vezes a melhor forma de aprender algo é ver, na prática, como
as coisas (não) funcionam.
RONALDO LEMOS - advogado, diretor do Instituto de Tecnologia
e Sociedade do Rio de Janeiro.