No
mundo de hoje, a desinformação tornou-se uma indústria muito bem financiada.
A
expressão “follow the money” (siga do dinheiro) foi popularizada pelo filme
“Todos os Homens do Presidente” (1976), que conta a derrocada do presidente
Richard Nixon e o papel do bom jornalismo para isso.
Seu
significado é simples: várias formas de corrupção política podem ser
desvendadas examinando as transferências financeiras entre as partes
envolvidas. Com as fake news, é a mesma coisa.
Uma
forma eficaz de combater campanhas organizadas para espalhar notícias falsas é
seguir o dinheiro.
Especialmente
porque no mundo de hoje a desinformação tornou-se uma indústria muito bem
finsanciada. Há uma miríade de empresas, designers, programadores, gestores e
financiadores envolvidos na disseminação de notícias falsas. Essa estrutura é
cara. Compreendê-la ajuda a lidar com o problema.
Evidência
de que essa estratégia funciona está no perfil do Twitter chamado Sleeping Giants, surgido nos EUA, e sua versão brasileira, o Sleeping Giants Brasil (@slpng_giants_pt).
Em
quatro dias, a versão brasileira conseguiu resultados no combate a
desinformação de fazer inveja ao Tribunal Superior Eleitoral, à CPI das Fake
News e ao Congresso. A razão para esse sucesso não é de incapacidade dessas
instituições, mas sim um ajuste de estratégia. O Sleeping Giants mapeou parte
do dinheiro que alimenta a indústria das fake news.
Fez
isso identificando marcas que —sem querer— estavam com anúncios sendo exibidos
automaticamente em sites de desinformação via plataforma do Google. Tudo que o
perfil fez foi alertar essas marcas do que estava acontecendo.
As
marcas que se incomodaram imediatamente bloquearam os anúncios. Já as que não
se incomodaram em ter anúncios ao lado de manchetes como “Cloroquina, a cura
negada à sociedade” mantiveram suas propagandas (como é o caso do Banco do
Brasil).
Em
outras palavras, essa estratégia combate desinformação com mais informação (e
não com menos). Cabe a cada marca decidir o que vai fazer com seu dinheiro.
O
Sleeping Giants, no entanto, tem alcance limitado. Atua só com relação a uma
pequena parte do dinheiro que financia fake news. Essa indústria envolve muitas
vezes a prática sistemática de várias atividades criminosas, tais como
falsidade ideológica, falsa identidade, fraude processual e, sobretudo, lavagem
de dinheiro (na ocultação de recursos privados ou públicos usados para
financiar esses crimes).
Age
acobertando a compra de engajamentos artificiais, usa robôs e automação
maliciosa para atacar pessoas ou minar o debate público e assim por diante.
Quando descambam para a ilicitude, são verdadeiras organizações criminosas. O
Sleeping Giants pouco pode fazer sobre isso.
Já
instituições como o Judiciário e o Congresso podem fazer muito. De novo,
combate-se fake news com mais informação, e não menos. Jogando luz e punindo
quem pratica crimes para ocultar maliciosamente a autoria de campanhas massivas
de desinformação, prejudicando a autonomia, o livre-arbítrio, o livre
convencimento e a tomada de decisões de cada um.
Colocar
a lei a serviço de aumentar a informação disponível e para revelar o que está
sendo ilicitamente ocultado é um bom caminho para lidar com a questão.
Ronaldo Lemos - advogado, diretor do Instituto de Tecnologia e
Sociedade do Rio de Janeiro.
Fonte: coluna jornal FSP