Nosso nome é a palavra que mais
ouvimos ao longo da vida em associação a nós mesmos
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Quando voltei ao Brasil após o doutorado, trabalhei
durante três anos em um museu de ciências onde uma equipe de 12 a 15 pessoas
dividia uma sala planejada para acomodar apenas cinco. Não sei se foi então que
desenvolvi a habilidade de ignorar vozes que não me diziam respeito, mas
certamente ela me foi muito útil –e ainda entretinha meus colegas de sala, que
brincavam de falar sobre mim, sem usar meu nome, para ver quanto tempo levaria
até eu me dar conta e olhar para eles.
A parte sobre não usar o nome é fundamental. Nosso
próprio nome é provavelmente a palavra que mais ouvimos ao longo da vida em
associação a nós mesmos, aquele conjunto de sons que indica que os próximos
segundos do mundo nos dizem respeito diretamente. À força da repetição, o
cérebro aprende a detectar o chamado e dar o alerta.
Como? Vários estudos usando ressonância magnética
funcional, que permite detectar mudanças de atividade diretamente dentro do
cérebro de pessoas conscientes, já investigaram o fenômeno e mostraram que,
quando se está aguardando ouvir o próprio nome (como numa sala de espera),
ouvi-lo de fato aciona a porção medial do córtex pré-frontal. Como esta é uma
parte do córtex fundamental ao planejamento de ações, seu recrutamento em
resposta ao próprio nome diz ao cérebro que sua vez chegou.
Boa parte das vezes em que somos chamados, contudo,
não esperamos ouvir nosso nome; nossa atenção está focada em outro assunto.
Como é que este som em particular consegue ainda assim roubar prioridade para
si?
Em um estudo realizado entre centros de pesquisa no
Japão e publicado recentemente na revista "Cerebral Cortex", os
voluntários, dentro de uma máquina de ressonância magnética, ouviam
inesperadamente seu nome durante uma tarefa não relacionada. Quando isso
acontecia, de fato não havia ativação resultante do córtex pré-frontal, ainda
engajado na tarefa.
Mas várias outras regiões do cérebro se tornavam
mais ativas -desde que o nome chamado fosse o próprio. Essas regiões incluem a
formação reticular mesencefálica, cerne do sistema que possibilita a atenção; o
córtex auditivo, que permite a percepção consciente de sons; o córtex frontal
inferior, que é capaz de reorientar a atenção; e a ínsula e o precuneus, partes
do córtex que participam da autoidentificação.
Mesmo inesperado, o som do próprio nome, portanto,
é suficiente para deixar o cérebro pronto para interagir com o mundo. Mas
enquanto ele não for ouvido, o cérebro continua na sua.
Suzana Herculano-Houzel – neurocientista, professora
da UFRJ, autora do livro "Pílulas de Neurociência para uma Vida
Melhor" (ed. Sextante)
Fonte: www.suzanaherculanohouzel.com