Quando o Congresso Nacional —em meio a tantas
tarefas importantes— decide priorizar a análise de projetos de lei para
censurar e controlar a internet, é porque algo vai realmente mal na agenda do
país.
Tramita em alta velocidade na Câmara um projeto de
lei do pastor Franklin (PP-MG) que quer criar um Cadastro Nacional de Acesso à
Internet. Nele constará "a relação de todos os usuários da internet no
país". Esse "índex" vai além. Deverá conter a lista de
"todos os sites que divulguem conteúdos inadequados para crianças e
adolescentes". Ganha um doce quem souber definir o que é
"inadequado".
O projeto obriga todos os serviços de internet no
país, inclusive estrangeiros, a pedirem o CPF do usuário antes do acesso. O
serviço deverá então checar com a Receita a veracidade do documento e a idade
do usuário. Só aí o acesso será permitido.
Pelo projeto, será também obrigatório que todos os
aparelhos capazes de acessar a internet vendidos no Brasil venham com um
aplicativo pré-instalado para controlar os usuários. De acordo com o próprio
texto: "todos os dispositivos que acessem a internet terão um aplicativo
que permita o cadastramento dos usuários, exija a identificação antes de
qualquer acesso e impeça a remoção destas funcionalidades".
Essas são medidas típicas de países autoritários,
como a Coreia do Norte ou a Arábia Saudita. No Ocidente, só um país ousou
propor um projeto similar: o Paraguai. E por causa disso sofreu uma série de
críticas nacionais e internacionais. Não é o modelo que o Brasil deveria
copiar.
O projeto quase foi aprovado pela Comissão de
Ciência e Tecnologia e Informática (CCTI) na semana passada, mas houve pedido
de vista. O relator do projeto é o missionário José Olimpio (DEM-SP).
O missionário é por sua vez autor de outro projeto
de lei que foi aprovado na semana passada pela CCTI. Trata-se de proposta para
modificar para pior a chamada Lei Carolina Dieckmann. A proposta do missionário
é que se torne crime no Brasil "acessar indevidamente sistema
informatizado ou nele permanecer contra a vontade de quem de direito".
Em outras palavras, o projeto quer mandar para a
cadeia quem desrespeitar os "termos de uso" de qualquer site ou
serviço, aquele documento extenso e cheio de letras miúdas, que praticamente
ninguém lê. Mas não é só. Pela proposta, a conduta criminalizada é o mero
"acesso", sem que haja a necessidade de qualquer dano.
Isso faz cair por terra toda a atividade de
empresas de segurança no Brasil, cuja missão é exatamente "acessar
indevidamente" dispositivos de informática, justamente para procurar
brechas de segurança. Em vez de fortalecer a rede brasileira, vai
enfraquecê-la.
É preocupante quando a Comissão de Ciência e
Tecnologia e Informática abraça o obscurantismo e se torna liberticida. No
mínimo, deveria iniciar um processo de consultas públicas antes de legislar
sobre temas tão complexos. E de preferência, chamar quem entende de ciência
para opinar.
Ronaldo Lemos - advogado, diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio
de Janeiro (ITSrio.org). Mestre em direito por Harvard. Pesquisador e
representante do MIT Media Lab no Brasil.
Fonte:
coluna jornal FSP