A matemática da bola da Copa
Bolas
de futebol eram feitas de couro, e a questão básica era como produzir um objeto
redondo com um material plano.
Marcelo Duarte escreveu uma bonita coluna sobre a
evolução tecnológica da bola da Copa do Mundo. O meu interesse nessa história
é pelo lado da matemática.
Nos primórdios, bolas de futebol eram feitas de couro, e a
questão básica era como produzir um objeto redondo com um material que é
basicamente plano.
O mesmo problema ocorre em outras situações.
Na alta
costura: como usar tecidos planos para revestir com elegância as curvas do corpo
humano? Na cartografia: qual é o melhor modo de representar o globo terrestre (redondo!) por meio de
mapas planos? Importantes avanços na matemática resultaram do estudo dessas
questões práticas.
Em teoria, a solução seria fabricar a bola com um
grande número de pedacinhos de couro, formando um poliedro (sólido geométrico)
razoavelmente "redondo".
Há muitas maneiras de fazer isso, mas todas
precisam obedecer à fórmula de Euler: F-A+V=2, onde F é o número de faces
(pedaços de couro), A é o número de arestas (costuras) e V é o número de
vértices (onde as costuras se encontram).
Na prática, é preciso encontrar um
equilíbrio, pois é complicado costurar uma bola com muitas faces.
As bolas utilizadas nas primeiras Copas tinham
faces com formatos irregulares. A Copa do México de 1970 introduziu um conceito
elegantíssimo, que foi usado até 2002 e voltou em 2010 e 2018: a Telstar tem a
forma de um icosaedro truncado, com 32 faces, 20 hexágonos e 12 pentágonos
(confira a fórmula de Euler!).
Originalmente, os hexágonos eram pintados de
branco e os pentágonos de preto, e acredito que para muitos de nós esse ainda é
o paradigma do que é uma bola de futebol.
O avanço na
engenharia de materiais nos libertou das limitações do couro, permitindo
experimentar outros conceitos.
A Brazuca, bola da Copa de 2014, detém o recorde do menor número de faces, apenas 6.
Na verdade, conforme foi apontado pelos matemáticos na época, a Brazuca é
realmente um cubo (com faces redondas)!
As leis da Fifa estipulam que as bolas devem ser
esféricas, e indicam um meio prático para conferir a esfericidade: o diâmetro
medido em 16 direções diferentes deve ser praticamente o mesmo (entre 68 e 70
cm).
O que poucas pessoas sabem é que esse critério está matematicamente
errado: existem formas cujos diâmetros são iguais em todas (!) as direções, mas
estão muito longe de serem esferas.
O que a Fifa faria se os times entrassem em
campo com uma dessas "bolas"?
MARCELO VIANA - diretor-geral do Instituto de Matemática Pura e Aplicada, ganhador do
Prêmio Louis D., do Institut de France.